Não me recordo quanto custou o bloco de 9 bilhetes para o Festival de Vilar de Mouros de 1982. Recordo-me de ir comprá-lo, com o Berto, companheiro inseparável de concertos e afins durante uma boa meia-dúzia de anos, à Tubitek, uma loja de discos que existia na Praça D. João I. O valor nominal dos bilhetes é 2,350 escudos mas, como foram comprados com muita antecedência, no regresso a casa após uma manhã passada na Feira de Vandoma, a coisa deve ter ficado pelas 2 milenas.
As notícias avançadas semanalmente pelo jornal Sete anunciavam um manancial de bandas que valiam bem a deslocação a Caminha e o sacrifício de estourar 2 conteiros em bilhetes com tanto tempo de antecedência. Afinal, tratava-se do primeiro festival de música do pós-25 de Abril e, de uma assentada, seria possível assistir a concertos tão apetecidos como Durutti Column, A Certain Ratio, New Order, U2, Bunnymen, The Fall e muitos mais. Os Hawkwind estavam referenciados como cabeças de cartaz.
A vontade era tanta que resolvemos arrancar para Caminha alguns dias antes do início das festividades. Penso que viajamos no dia 26 de Julho, 5 dias antes do início, mas posso bem estar enganado. Este pormenor é importante porque, durante a fase de orçamentação (?) da empreitada, estes dias adicionais não foram tomados em conta. Mas disso falarei mais para a frente.
Ao sair do comboio, na estação de Caminha, deparamo-nos com o vazio total. Do anunciado mar de gente, uma chusma de peregrinos em busca do seu próprio verão do amor (pois, pois), não havia qualquer sinal. A falta de dinheiro e a certeza de arranjar uma boleia levou-nos a meter os pés ao caminho até Vilar de Mouros. 6 quilómetros percorridos a pé, debaixo de um sol quente de Verão. A boleia foi uma miragem, mas não para a outra margem.
Seguindo a indicação de alguns simpáticos indígenas aterramos no tasco da azenha, um excelente local para comer umas sandes e atestar uns copázios de tintol a um preço catita, com uma excelente vista para a, como o nome indica, azenha. A azenha era um local bonito, com uma queda de água modesta que tombava sobre uma pequena praia e formava um lago, excelente para a prática da higiene diária. De um dos lados sobressaía um conjunto de edifícios de pedra, em ruínas, talvez um antigo moinho, que despontava no meio do arvoredo que o rodeava. À primeira vista, um excelente local para montar o estaminé. Tinha tudo o que era preciso, um tasco, uma praia e uma gigantesca banheira, a 5 minutos a pé do local do festival. (continua)
Os pensamentos iluminados de duas mentes brilhantes escorrem pelas páginas deste coiso.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
domingo, 1 de julho de 2012
Um coelho no purgatório
Numa memorável cena do ainda mais memorável filme High Fidelity, de Stephen Frears, após recusar a venda do infame single "I Just Called To Say I Love You" de Stevie Wonder a um cliente, o empregado Jack Black inicia uma discussão com o dono da loja, John Cusack, colocando a seguinte questão: 'Rob, top five musical crimes perpetuated by Stevie Wonder in the '80s and '90s. Go. Sub-question: is it in fact unfair to criticize a formerly great artist for his latter day sins, is it better to burn out or fade away?'
O que têm em comum Velvet Underground, The Doors, Talking Heads, Joy Division, The Smiths e os The Stooges? A ausência de gorduras na sua obra discográfica com o reconhecimeento que o fim criativo tinha chegado. Que o fim seja causado pela morte de um dos membros (Doors e Joy Division) ou pelo abandono do líder (VU e Talking Heads) ou por implosão (Stooges), é perfeitamente irrelevante.
Se tomarmos como exemplo o nome mais bem sucedido da história da pop, os Beatles, apesar de todas as cisões internas, perceptíveis desde a concepção do White Album, foi necessária a edição do medíocre Let It Be para comprovar que a banda estava fora do seu tempo.
Ian McCulloch sabe que, caso a sua banda tivesse parado após a edição de Ocean Rain teria o seu merecido lugar no Olimpo da pop, ao lado das bandas que mencionei anteriormente. A cisão esteve para acontecer mas, graças aos esforços de Pete de Freitas, a banda tentou ir mais além do que era capaz e ultrapassar o seu magnum opus de 84. Espalharam-se ao comprido e editaram o autointitulado disco de 87 a que se seguiu a separação.
Por isso, não espanta que dos 19 temas apresentados ontem à noite (sem contar com os já habituais medleys, que incluíram Walk On The Wild Side de Lou Reed, In The Midnight Hour de Wilson Picket, Sex Machine de James Brown, A Promise dos próprios Bunnymen e mais uma ou duas que me escapam), 12 pertençam ao período 80-84. Isso ou a tentativa de agradar á geração sub-50 que enchia a Serra do Pilar.
Abriram com Going Up e, ao fim de 5 temas, já tinham aviado 4 do período Crocodiles, Going Up, Rescue, Do It Clean e Villiers Terrace. Mais para a frente, revisitariam ainda All That Jazz. Para quem os tinha visto 2 vezes no período Pete de Freitas, a inclusão de 2 elementos adicionais causava alguma expectativa, principalmente a utilização de teclados. No entanto, de uma forma geral, os temas apresentados mantiveram-se fiéis aos originais, não acrescentando grandes novidades.
Após Seven Seas, a primeira incursão em Ocean Rain, seguiu-se Bring On The Dancing Horses. Ao meu lado, Zeca Tuga resmungava 'isto é música para gajas' e abria caminho para mais uma visita ao stand das cervejas, de onde regressaria aos primeiros acordes de Never Stop. Pelo caminho ficaram os pouco interessantes Rust e The Fountain, com All My Colours pelo meio. A surpresa da noite foi a inclusão de The Disease do segundo LP Heaven Up Here, com McCulloch a cantar 'A minha vida é uma doença' enquanto pedia alegres palminhas à audiência.
Daí até ao final foi sempre a subir. Never Stop, um tema que em 84 quase causou um motim no Pavilhão do Infante Sagres, desta vez passou quase despercebido. Mas Villiers Terrace, The Killing Moon (apresentada como 'uma canção que nunca fizemos ao vivo, ou se calhar fizemos mas pouco', e 'the best song ever written') e The Cutter encerraram o alinhamento com enorme galhardia.
Os encores abriram de forma promissora com o magnífico Over The Wall, mas a escolha do bolorento mas bem sucedido Nothing Last Forever fez-nos temer o pior. A coisa compôs-se com a ligação a Walk On The Wild Side e In The Midnight Hour e o fim chegou com Lips Like Sugar, um dos favoritos do povo que já clamava por ele desde o início do concerto.
Voltando ao início do texto e a Jack Black, será que 'better to burn out than fade away' só se aplica aos artistas? Qual é a nossa responsabilidade como audiência, ao recusarmos enfrentar os novos tempos e ao refugiarmo-nos nas glórias passadas, num saudosismo bacoco e doentio? Será que não é esta atitude passiva dos consumidores que leva os artistas a tornarem-se auto-complacentes e caricaturas do seu próprio passado?
Entretanto os Bunnymen continuam o seu caminho e, como diria Chico Buarque, foi bonita a festa, pá!
O que têm em comum Velvet Underground, The Doors, Talking Heads, Joy Division, The Smiths e os The Stooges? A ausência de gorduras na sua obra discográfica com o reconhecimeento que o fim criativo tinha chegado. Que o fim seja causado pela morte de um dos membros (Doors e Joy Division) ou pelo abandono do líder (VU e Talking Heads) ou por implosão (Stooges), é perfeitamente irrelevante.
Se tomarmos como exemplo o nome mais bem sucedido da história da pop, os Beatles, apesar de todas as cisões internas, perceptíveis desde a concepção do White Album, foi necessária a edição do medíocre Let It Be para comprovar que a banda estava fora do seu tempo.
Ian McCulloch sabe que, caso a sua banda tivesse parado após a edição de Ocean Rain teria o seu merecido lugar no Olimpo da pop, ao lado das bandas que mencionei anteriormente. A cisão esteve para acontecer mas, graças aos esforços de Pete de Freitas, a banda tentou ir mais além do que era capaz e ultrapassar o seu magnum opus de 84. Espalharam-se ao comprido e editaram o autointitulado disco de 87 a que se seguiu a separação.
Por isso, não espanta que dos 19 temas apresentados ontem à noite (sem contar com os já habituais medleys, que incluíram Walk On The Wild Side de Lou Reed, In The Midnight Hour de Wilson Picket, Sex Machine de James Brown, A Promise dos próprios Bunnymen e mais uma ou duas que me escapam), 12 pertençam ao período 80-84. Isso ou a tentativa de agradar á geração sub-50 que enchia a Serra do Pilar.
Abriram com Going Up e, ao fim de 5 temas, já tinham aviado 4 do período Crocodiles, Going Up, Rescue, Do It Clean e Villiers Terrace. Mais para a frente, revisitariam ainda All That Jazz. Para quem os tinha visto 2 vezes no período Pete de Freitas, a inclusão de 2 elementos adicionais causava alguma expectativa, principalmente a utilização de teclados. No entanto, de uma forma geral, os temas apresentados mantiveram-se fiéis aos originais, não acrescentando grandes novidades.
Após Seven Seas, a primeira incursão em Ocean Rain, seguiu-se Bring On The Dancing Horses. Ao meu lado, Zeca Tuga resmungava 'isto é música para gajas' e abria caminho para mais uma visita ao stand das cervejas, de onde regressaria aos primeiros acordes de Never Stop. Pelo caminho ficaram os pouco interessantes Rust e The Fountain, com All My Colours pelo meio. A surpresa da noite foi a inclusão de The Disease do segundo LP Heaven Up Here, com McCulloch a cantar 'A minha vida é uma doença' enquanto pedia alegres palminhas à audiência.
Daí até ao final foi sempre a subir. Never Stop, um tema que em 84 quase causou um motim no Pavilhão do Infante Sagres, desta vez passou quase despercebido. Mas Villiers Terrace, The Killing Moon (apresentada como 'uma canção que nunca fizemos ao vivo, ou se calhar fizemos mas pouco', e 'the best song ever written') e The Cutter encerraram o alinhamento com enorme galhardia.
Os encores abriram de forma promissora com o magnífico Over The Wall, mas a escolha do bolorento mas bem sucedido Nothing Last Forever fez-nos temer o pior. A coisa compôs-se com a ligação a Walk On The Wild Side e In The Midnight Hour e o fim chegou com Lips Like Sugar, um dos favoritos do povo que já clamava por ele desde o início do concerto.
Voltando ao início do texto e a Jack Black, será que 'better to burn out than fade away' só se aplica aos artistas? Qual é a nossa responsabilidade como audiência, ao recusarmos enfrentar os novos tempos e ao refugiarmo-nos nas glórias passadas, num saudosismo bacoco e doentio? Será que não é esta atitude passiva dos consumidores que leva os artistas a tornarem-se auto-complacentes e caricaturas do seu próprio passado?
Entretanto os Bunnymen continuam o seu caminho e, como diria Chico Buarque, foi bonita a festa, pá!
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