Numa memorável cena do ainda mais memorável filme High Fidelity, de Stephen Frears, após recusar a venda do infame single "I Just Called To Say I Love You" de Stevie Wonder a um cliente, o empregado Jack Black inicia uma discussão com o dono da loja, John Cusack, colocando a seguinte questão: 'Rob, top five musical crimes perpetuated by Stevie Wonder in the '80s and '90s. Go. Sub-question: is it in fact unfair to criticize a formerly great artist for his latter day sins, is it better to burn out or fade away?'
O que têm em comum Velvet Underground, The Doors, Talking Heads, Joy Division, The Smiths e os The Stooges? A ausência de gorduras na sua obra discográfica com o reconhecimeento que o fim criativo tinha chegado. Que o fim seja causado pela morte de um dos membros (Doors e Joy Division) ou pelo abandono do líder (VU e Talking Heads) ou por implosão (Stooges), é perfeitamente irrelevante.
Se tomarmos como exemplo o nome mais bem sucedido da história da pop, os Beatles, apesar de todas as cisões internas, perceptíveis desde a concepção do White Album, foi necessária a edição do medíocre Let It Be para comprovar que a banda estava fora do seu tempo.
Ian McCulloch sabe que, caso a sua banda tivesse parado após a edição de Ocean Rain teria o seu merecido lugar no Olimpo da pop, ao lado das bandas que mencionei anteriormente. A cisão esteve para acontecer mas, graças aos esforços de Pete de Freitas, a banda tentou ir mais além do que era capaz e ultrapassar o seu magnum opus de 84. Espalharam-se ao comprido e editaram o autointitulado disco de 87 a que se seguiu a separação.
Por isso, não espanta que dos 19 temas apresentados ontem à noite (sem contar com os já habituais medleys, que incluíram Walk On The Wild Side de Lou Reed, In The Midnight Hour de Wilson Picket, Sex Machine de James Brown, A Promise dos próprios Bunnymen e mais uma ou duas que me escapam), 12 pertençam ao período 80-84. Isso ou a tentativa de agradar á geração sub-50 que enchia a Serra do Pilar.
Abriram com Going Up e, ao fim de 5 temas, já tinham aviado 4 do período Crocodiles, Going Up, Rescue, Do It Clean e Villiers Terrace. Mais para a frente, revisitariam ainda All That Jazz. Para quem os tinha visto 2 vezes no período Pete de Freitas, a inclusão de 2 elementos adicionais causava alguma expectativa, principalmente a utilização de teclados. No entanto, de uma forma geral, os temas apresentados mantiveram-se fiéis aos originais, não acrescentando grandes novidades.
Após Seven Seas, a primeira incursão em Ocean Rain, seguiu-se Bring On The Dancing Horses. Ao meu lado, Zeca Tuga resmungava 'isto é música para gajas' e abria caminho para mais uma visita ao stand das cervejas, de onde regressaria aos primeiros acordes de Never Stop. Pelo caminho ficaram os pouco interessantes Rust e The Fountain, com All My Colours pelo meio. A surpresa da noite foi a inclusão de The Disease do segundo LP Heaven Up Here, com McCulloch a cantar 'A minha vida é uma doença' enquanto pedia alegres palminhas à audiência.
Daí até ao final foi sempre a subir. Never Stop, um tema que em 84 quase causou um motim no Pavilhão do Infante Sagres, desta vez passou quase despercebido. Mas Villiers Terrace, The Killing Moon (apresentada como 'uma canção que nunca fizemos ao vivo, ou se calhar fizemos mas pouco', e 'the best song ever written') e The Cutter encerraram o alinhamento com enorme galhardia.
Os encores abriram de forma promissora com o magnífico Over The Wall, mas a escolha do bolorento mas bem sucedido Nothing Last Forever fez-nos temer o pior. A coisa compôs-se com a ligação a Walk On The Wild Side e In The Midnight Hour e o fim chegou com Lips Like Sugar, um dos favoritos do povo que já clamava por ele desde o início do concerto.
Voltando ao início do texto e a Jack Black, será que 'better to burn out than fade away' só se aplica aos artistas? Qual é a nossa responsabilidade como audiência, ao recusarmos enfrentar os novos tempos e ao refugiarmo-nos nas glórias passadas, num saudosismo bacoco e doentio? Será que não é esta atitude passiva dos consumidores que leva os artistas a tornarem-se auto-complacentes e caricaturas do seu próprio passado?
Entretanto os Bunnymen continuam o seu caminho e, como diria Chico Buarque, foi bonita a festa, pá!
BURN OUT! Deste modo evitam figuras tristes e poupam-nos embaraços.
ResponderEliminarP.S. Tens de concordar que o meu timing para "abastecer" foi excelente.
Estou contigo. Apesar que, em alguns (raros) casos, enquanto se vão queimando conseguem ainda produzir uma ou outra coisa de relevo. Mas é raro e não sei se compensa a desilusão.
EliminarO teu timing foi magnífico. Ainda por cima, o All My Colours foi um dos pontos baixos do concerto. Se calhar por estar encaixado entre aqueles trolarós.
As barrigas da audiencia também nao ajudam ao pula-pula!
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