sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O erro de Francisco José Viegas

Simpatizo com Francisco José Viegas. Gosto de ler as suas crónicas, sigo atentamente o seu blogue A Origem das Espécies que retomou após a saída do Governo, comprei e li com agrado o seu romance O Mar em Casablanca. Prometo, dentro em breve, ler mais alguns. Antes de ir para a Secretaria de Estado da Cultura esteve ligado à Quetzal, uma das boas editoras livreiras do nosso país. Sempre que aparece em debates televisivos apresenta os seus argumentos de forma clara e trata os seus pares cordialmente. Apesar da minha estima, não podíamos estar mais distantes em termos ideológicos. Ele é um homem de fé, eu sou um porco ateu. Ele pertence à direita moderada, eu estou moderadamente mais próximo da esquerdalha radical e protocomuna (caso ainda não tivessem percebido).

Foi com enorme surpresa que soube que tinha aceitado entrar para o Governo de Passos Coelho. Não sei se foi o único português a não perceber que as suas funções estavam completamente vazias de conteúdo ainda antes de ter tomado posse, a partir do momento em que o Ministério da Cultura desapareceu e se tornou um apêndice irrelevante debaixo da tutela do próprio PM. O que o levou a aceitar o convite é, para mim, uma incógnita. Daniel Oliveira, que o conhece pessoalmente, avança com a hipótese de tal se ter devido a um assomo de vaidade pessoal. É possível e daí não vem mal ao mundo. O seu pedido de demissão, que marcou, se não me engano, a primeira alteração na composição do actual Governo, não surpreendeu ninguém. Saiu como entrou, sem brilho e sem relevância. Da sua passagem pela governação não rezará a História.

Após algum tempo de nojo, regressou com pompa e circunstância às bocas do mundo ao dizer que mandaria 'tomar no cú' ao primeiro agente do fisco que o interpelasse sobre a ausência de pedido de factura em estabelecimento comercial. Nascido e criado na cidade do Porto, onde vivo há 50 anos, uso e abuso do vernáculo local como qualquer nativo que se preze. Onde o resto do país vê uma linguagem insultuosa, a usar em surdina e ambientes reservados, nós vemos um vocabulário rico de interjeições que enriquecem a nossa capacidade de comunicação. Como tal, sinto-me uma autoridade na matéria. E não concordo, de forma nenhuma, com a expressão utilizada por FJV. A única explicação que encontro para o sucedido, e é uma mera suposição, é a permanência de muitos anos de FJV em Lisboa onde terá sido influenciado por uma eventual variante de uma expressão que teve origem e alcançou todo o seu esplendor na Mui Nobre e Invicta.

No entanto, o percurso e curriculum de FJV falam por si, nomeadamente a sua Licenciatura em Estudos Portugueses bem como a sua permanência como assistente de Linguística na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. Resolvi não tomar o meu conhecimento empírico como verdade absoluta e consultei o dicionário com o objectivo de comparar a expressão usada pelo ex-Secretário de Estado com aquelas que uso com a regularidade que se impõe há cerca de 5 décadas. Comparei o verbo 'Tomar' usado por FJV com 'Apanhar' e 'Levar', termos bem mais recorrentes na área geográfica a que pertenço.

A tarefa não se revelou conclusiva e, se colocarmos de lado o facto de se tratarem de 3 verbos transitivos, poucos ou nenhuns pontos de contacto existem entre as palavras em questão. No entanto, se utilizarmos como objecto de estudo as aplicações mais populares dos ditos verbos, poderemos chegar a uma conclusão mais assertiva. A expressão 'Tomar' tem, por norma, um cariz mais positivo, algo que se dá e que outrém recebe de bom grado, p.e. 'vamos tomar um café', 'toma lá 5 paus e vai comprar caramelos que eu e a tua irmã temos de fazer os trabalhos de matemática'. Por seu lado, 'Levar' coloca o emissor/receptor como um intermediário da função, p.e. 'pega na lancheira e vai levar o almoço ao pai', não se vislumbrando aqui algo de insultuoso ou de desabafo, implícito na expressão usada por FJV. Pelo contrário, o verbo 'Apanhar' é mais fechado em torno do sujeito, ou seja, eu, tu ou ele, quando apanham, ficam com aquilo que apanharam. É para nós ou eles. Num sentido figurado, mandar alguém 'apanhar bonés' é o equivalente a um 'vai e não voltes' ou 'larga-me a braguilha', uma expressão que o autor deverá usar quando está farto de alguém e o quer ver pelas costas. Um desabafo sem qualquer tipo de conotação sexual, que a expressão usada por Viegas obviamente não tem.

Para concluir, o meu conselho é, quando na dúvida, usem o verbo 'Apanhar'. Mal, não faz. E se vierem para norte do Douro, ajuda a serem entendidos pelos indígenas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Visionário

Ontem à noite, num programa da TVI24 moderado por Judite de Sousa e onde participa Medina Carreira, o mega guru dos indignados da blogosfera, discutiu-se o estado das Forças Armadas e o eventual regresso do Serviço Militar Obrigatório.

No habitual segmento do lambebotismo ao convidado especial do programa, o General Loureiro dos Santos, o sempre perspicaz Medina Carreira defendeu o reatamento do Serviço Militar Obrigatório, argumentando que seria uma boa medida para os jovens e para as famílias, uma forma de ensinar valores importantes a uma boa parte da juventude que 'anda para aí na vadiagem'. Peço desculpa se a citação não é exacta, mas tenho alguma dificuldade em ser rigoroso com a alarvidade, independentemente da boca de onde ela sai.

Descontando a lamentável conversa da treta, infelizmente muito comum a gerações mais velhas que tendem a olhar para os mais novos com paternalismo e desprezo, segundo o princípio do 'no meu tempo é que era bom e havia respeito', com a saída pela direita baixa do brilhante 'o que era preciso era um novo Salazar', presumo que as fontes de informação de Medina Carreira sobre os hábitos maléficos dos jovens vadios dos nossos dias não vão um pouco mais além que as reportagens da TVI sobre as smartshops de Elvas (Badajoz à vista).

Mas sem me querer alongar demasiado sobre a diatribe de quem olha para o mundo através de um funil, era interessante que quem vocifera contra os gastos insanos realizados pelos políticos do passado e do presente, explicasse como é que tenciona financiar este brilhante regresso ao passado. Com os cortes na Defesa que se têm vindo a verificar nos últimos anos, era importante perceber como é que esta mente brilhante pretende financiar o aumento de efectivos e respectivo treino e manutenção.