domingo, 30 de dezembro de 2012

1981 - Top 10+

Após as brilhantes colheitas de 1979 e 1980, era suposto esperar um abrandamento na qualidade e quantidade de produção dos nomes 'novos' surgidos na ressaca do Punk. No entanto, impulsionados por uma imprensa que consegue, finalmente, acordar e deixar de ver o fenómeno pós-punk como algo passageiro e por uma indústria discográfica que rapidamente se recompôs do pequeno abanão ingénuo causado pelo 'do it yourself' que levou ao surgimento de pequenas e bem-sucedidas editoras, 1981 foi o ano do lançamento das obras-primas de muitas das bandas que marcarão a história do rock daqui para a frente.

Em Portugal, graças ao 'Rolls Rock' de António Sérgio e ás diversas crónicas semanais de Miguel Esteves Cardoso no 'Sete', 'O Jornal' e 'Expresso', as novidades chegam-nos em tempo real (ou quase). No entanto, os discos que escutamos e sobre os quais lemos, chegam a conta gotas ao mercado nacional e, na sua maioria, apenas podem ser obtidos nos circuitos de importação a preços proibitivos ou via Cobb Records, através de encomenda postal.

Um dos discos do ano é da autoria do presidente do clube de fãs dos Blondie em L.A., um puto com uma aparência a fazer lembrar um jovem Brando oxigenado e gorducho. Numa época de procura de novas sonoridades, os Gun Club editam 'Fire Of Love', um album carregado de energia punk que esgravata nos sons do passado, que cruza os sons dos blues do Delta com a anarquia sónica dos Sex Pistols.

A surpresa do ano é Grace Jones e o seu quinto LP 'Nightclubbing'. O álbum anterior, 'Warm Leatherette' (1980) era um disco interessante e retirava Jones do atoleiro do mainstream eurotrash onde andou a navegar nos anos do Studio 54. No entanto, a produção de Chris Blackwell e a sonoridade marcada pelos ritmos de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare elevaram 'Nightclubbing' a um patamar bem acima da produção passada e futura de Grace Jones.

'Faith' promove os The Cure a principais candidatos ao trono dos Joy Division para gáudio da brigada da gabardina, orfã de Curtis. Para muitos é a obra-prima da banda, para outros é o início do fim de um caminho que será fechado com 'Pornography' e que levará a banda de Robert Smith ao cimo das tabelas pop e a encher estádios do futebol.

Os Psychedelic Furs editam 'Talk Talk Talk', um disco produzido por Steve Lillywhite, o wonder boy do momento. A produção liberta a banda do som confuso e sombrio do primeiro disco e inclui uma canção que, dentro de alguns anos, marcará o destino da banda, 'Pretty In Pink'. É o melhor album dos Furs e marca o fim de uma era. Com o próximo disco, 'Forever Now' e a contratação de Todd Rundgren, um produtor focado no mercado americano, a banda atirar-se-á para voos bem mais ambiciosos.

Se algo mais fosse necessário, David Byrne e Brian Eno continuam a mostrar quem manda nos Talking Heads. Depois de gravarem, praticamente sózinhos, os anteriores 'Fear Of Music' e 'Remain In Light', editam finalmente 'My Life In The Bush Of Ghosts', um disco cuja concepção iniciou no intervalo das sessões de 'Fear Of Music', em 1979. O disco é uma das grandes referências do ano, baseia-se em antigas experiências de bandas do rock alemão, principalmente os Can, e explora a fusão de ritmos africanos com gravações de origem diversa, de sermões evangélicos a exorcismos, antecipando o uso regular de samplers que se tornaria prática comum em meados da década. O duo colaborou ainda em 'Songs From The Catherine Wheel', a banda sonora encomendado por Twyla Tharp para um bailado da sua autoria. O álbum editado em 1981 é irregular mas inclui um par de boas canções que seriam apresentadas ao vivo nos concertos dos Talking Heads. A edição completa da banda sonora, em formato CD, em 2001, vem mostrar a verdadeira dimensão desta obra.

O disco do ano é 'Heaven Up Here' dos Echo & The Bunnymen. O segundo LP dos Bunnymen é um digno sucessor de 'Closer' como disco do ano mas, de certa forma, é uma obra que se encontra do outro lado da barricada. A produção é quase rude, não se escutam os rococós característicos do trabalho de Martin Hannett com os Joy Division, e as letras, sendo negras, estão carregadas de esperança. Se 'Closer' é o fim do caminho, o 'no future' no verdadeiro sentido do termo, 'Heaven Up Here' é o início de uma caminhada. Em direcção a quê, é o que falta saber.

Melhores do ano:
Heaven Up Here (Echo & The Bunnymen)
My Life In The Bush Of Ghosts (Eno/Byrne)
Fire Of Love (The Gun Club)
Juju (Siouxsie & The Banshees)
Talk Talk Talk (The Psychedelic Furs)
Psychedelic Jungle (The Cramps)
Faith (The Cure)
Tin Drum (Japan)
Red Mecca (Cabaret Voltaire)
Nightclubbing (Grace Jones)

Também vintage:

From The Lion's Mouth (The Sound)
Movement (New Order)
To Each… (A Certain Ratio)
Penthouse And Pavement (Heaven 17)
Nah Poo The Art Of Bluff (Wah!)
Honi Soit (John Cale)
Wilder (Teardrop Explodes)
The Flowers Of Romance (Public Image Ltd)
Non-Stop Erotic Cabaret (Soft Cell)
LC (The Durutti Column)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sinner John Misty

Começo com uma declaração de interesses: gosto muito de 'Fear Fun', o disco que Josh Tillman a.k.a. Father John Misty andou a promover pela Europa nas últimas semanas e cuja digressão chegou ao fim, ontem á noite, em Vila do Conde. Elegi-o disco do ano na Lista Rebelde e, há muitos, muitos dias, não sai do leitor de CDs do meu carro. Aliás, desconfio que a ignição do veículo vai deixar de funcionar assim que o retire do drive. Era só o que me faltava, um auto junkie.

Não tenho paciência para ler crónicas de concertos. A maior parte dos textos estão completamente condicionados pela opinião do cronista sobre a banda e na maioria das crónicas essa opinião tolda a objectividade do autor. Não tenho nada contra e acho que, no caso da música pop, provavelmente o tema mais subjectivo do universo, se não fosse assim não tinha piada nenhuma. A situação agrava-se quando os concertos são muito maus ou sublimes, como foi o caso de ontem à noite. Nos outros, naqueles que não aquecem nem arrefecem, podemos sempre entreter-nos com actividades paralelas com a certeza que, quando a nossa atenção voltar a cair sobre o que se passa no palco, não teremos perdido nada de transcendente. Lembro-me de um concerto de Laurie Anderson no reconstruído Teatro S. João, em que os melhores momentos foram passados a admirar os novos pormenores do interior da belíssima sala e a bater uma bela soneca num dos sumptuosos camarotes. Ou o concerto dos Bad Seeds no Coliseu de Lisboa, por ocasião da digressão de 'No More Shall We Part', onde a actividade junto ao bar era, de longe, mais entusiasmante que o longo bocejo que se desenrolava no palco. Mas vamos dar umas pinceladas a ver como a coisa corre.

O concerto abriu com três momentos altos de 'Fear Fun', 'Funtimes in Babylon', 'Only Son Of The Ladies' Man' e 'Nancy From Now On' e rapidamente percebemos o que se iria passar em cima do palco na próxima hora e meia. Os cinco músicos que acompanhavam Tillman mantiveram-se discretamente no fundo do palco, onde debitaram o peculiar country rock, ou o que lhe quiserem chamar, de modo muito fiel ao que se pode ouvir no álbum, salvo duas ou três excepções. Apenas o saltitante baixista, uma figura parecida com o Baldrick da série Black Adder, teve direito a trocar algumas palavras com Tillman e apenas em breves momentos, ao longo da noite.

A boca de cena ficava, inteirinha, para Joshua Tillman ou Father John Misty, se preferirem, que de 'Father' tem muito pouco. Acompanhado por uma garrafa de champanhe, que arrastava por todo o lado, FJM foi um brilhante e expressivo mestre de cerimónias, apresentou as suas canções de muito pecado e pouca redenção e, pelo meio, disse algumas graçolas gozando com o seu próprio personagem, uma espécie de Randy Newman do apocalipse. Por breves momentos, Tillman recuou para o espaço reservado á banda e pegou na guitarra para mostrar que 'sabia fazer algo mais que rebolar pelo chão e falar mal de Deus'.

O alinhamento do concerto não apresentou grandes surpresas para quem acompanhou a digressão que ontem terminou. Das doze canções incluídas em 'Fear Fun', apenas ficou de fora 'O I Long To Feel Your Arms Around Me'. Em alguns momentos, como 'Sally Hatchet' e 'Well, You Can Do It Without Me', que ao vivo soaram ainda melhor, FJM sentou-se na boca de cena, deitou-se sobre as filas da frente e a sala, que até aí se mantinha algo morna, respondeu da forma que os músicos mereciam.

O concerto terminou com 'Everyman Needs A Companion' e 'Hollywood Forever Cemetery Sings'. A primeira canção, apresentada num formato bem mais imponente que o que aparece no disco, é uma peça chave no mesmo. Depois de se apresentar como pecador e desenrolar perante o ouvinte a longa lista de pecados, Tillman afirma nunca ter gostado do nome Joshua, porque abomina a religião, mas também detesta o curto e hip 'J.' É um homem novo á procura de uma companheira. Ao vivo, a coisa descamba um bocado. A forma como canta e as pequenas alterações que introduz na letra levantam a dúvida sobre o destinatário do seu discurso, a fiel garrafa que continua a agarrar com a mão esquerda, ou a stripper de uma qualquer espelunca do Sunset Strip que lhe atura a bebedeira.

A noite termina com duas versões, 'Nevertheless, I'm In Love With You' de Dean Martin e 'On The Road Again' dos Canned Heat, despachadas sem grande brilho. Dito isto, foi um grande concerto e quem não esteve lá não vai ficar mais esclarecido sobre o assunto após ler estas linhas. Num ano em que tive a oportunidade de ver os Flaming Lips, Jon Spencer, Jack White e Mark Lanegan, entre muitos outros, não tenho qualquer dúvidas em eleger o concerto de Father John Misty como o grande concerto de 2012.

Não me esqueci dos We Trust e Best Youth. Fica para mais tarde porque merecem um espaço á parte.