quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sinner John Misty

Começo com uma declaração de interesses: gosto muito de 'Fear Fun', o disco que Josh Tillman a.k.a. Father John Misty andou a promover pela Europa nas últimas semanas e cuja digressão chegou ao fim, ontem á noite, em Vila do Conde. Elegi-o disco do ano na Lista Rebelde e, há muitos, muitos dias, não sai do leitor de CDs do meu carro. Aliás, desconfio que a ignição do veículo vai deixar de funcionar assim que o retire do drive. Era só o que me faltava, um auto junkie.

Não tenho paciência para ler crónicas de concertos. A maior parte dos textos estão completamente condicionados pela opinião do cronista sobre a banda e na maioria das crónicas essa opinião tolda a objectividade do autor. Não tenho nada contra e acho que, no caso da música pop, provavelmente o tema mais subjectivo do universo, se não fosse assim não tinha piada nenhuma. A situação agrava-se quando os concertos são muito maus ou sublimes, como foi o caso de ontem à noite. Nos outros, naqueles que não aquecem nem arrefecem, podemos sempre entreter-nos com actividades paralelas com a certeza que, quando a nossa atenção voltar a cair sobre o que se passa no palco, não teremos perdido nada de transcendente. Lembro-me de um concerto de Laurie Anderson no reconstruído Teatro S. João, em que os melhores momentos foram passados a admirar os novos pormenores do interior da belíssima sala e a bater uma bela soneca num dos sumptuosos camarotes. Ou o concerto dos Bad Seeds no Coliseu de Lisboa, por ocasião da digressão de 'No More Shall We Part', onde a actividade junto ao bar era, de longe, mais entusiasmante que o longo bocejo que se desenrolava no palco. Mas vamos dar umas pinceladas a ver como a coisa corre.

O concerto abriu com três momentos altos de 'Fear Fun', 'Funtimes in Babylon', 'Only Son Of The Ladies' Man' e 'Nancy From Now On' e rapidamente percebemos o que se iria passar em cima do palco na próxima hora e meia. Os cinco músicos que acompanhavam Tillman mantiveram-se discretamente no fundo do palco, onde debitaram o peculiar country rock, ou o que lhe quiserem chamar, de modo muito fiel ao que se pode ouvir no álbum, salvo duas ou três excepções. Apenas o saltitante baixista, uma figura parecida com o Baldrick da série Black Adder, teve direito a trocar algumas palavras com Tillman e apenas em breves momentos, ao longo da noite.

A boca de cena ficava, inteirinha, para Joshua Tillman ou Father John Misty, se preferirem, que de 'Father' tem muito pouco. Acompanhado por uma garrafa de champanhe, que arrastava por todo o lado, FJM foi um brilhante e expressivo mestre de cerimónias, apresentou as suas canções de muito pecado e pouca redenção e, pelo meio, disse algumas graçolas gozando com o seu próprio personagem, uma espécie de Randy Newman do apocalipse. Por breves momentos, Tillman recuou para o espaço reservado á banda e pegou na guitarra para mostrar que 'sabia fazer algo mais que rebolar pelo chão e falar mal de Deus'.

O alinhamento do concerto não apresentou grandes surpresas para quem acompanhou a digressão que ontem terminou. Das doze canções incluídas em 'Fear Fun', apenas ficou de fora 'O I Long To Feel Your Arms Around Me'. Em alguns momentos, como 'Sally Hatchet' e 'Well, You Can Do It Without Me', que ao vivo soaram ainda melhor, FJM sentou-se na boca de cena, deitou-se sobre as filas da frente e a sala, que até aí se mantinha algo morna, respondeu da forma que os músicos mereciam.

O concerto terminou com 'Everyman Needs A Companion' e 'Hollywood Forever Cemetery Sings'. A primeira canção, apresentada num formato bem mais imponente que o que aparece no disco, é uma peça chave no mesmo. Depois de se apresentar como pecador e desenrolar perante o ouvinte a longa lista de pecados, Tillman afirma nunca ter gostado do nome Joshua, porque abomina a religião, mas também detesta o curto e hip 'J.' É um homem novo á procura de uma companheira. Ao vivo, a coisa descamba um bocado. A forma como canta e as pequenas alterações que introduz na letra levantam a dúvida sobre o destinatário do seu discurso, a fiel garrafa que continua a agarrar com a mão esquerda, ou a stripper de uma qualquer espelunca do Sunset Strip que lhe atura a bebedeira.

A noite termina com duas versões, 'Nevertheless, I'm In Love With You' de Dean Martin e 'On The Road Again' dos Canned Heat, despachadas sem grande brilho. Dito isto, foi um grande concerto e quem não esteve lá não vai ficar mais esclarecido sobre o assunto após ler estas linhas. Num ano em que tive a oportunidade de ver os Flaming Lips, Jon Spencer, Jack White e Mark Lanegan, entre muitos outros, não tenho qualquer dúvidas em eleger o concerto de Father John Misty como o grande concerto de 2012.

Não me esqueci dos We Trust e Best Youth. Fica para mais tarde porque merecem um espaço á parte.

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