terça-feira, 27 de julho de 2010

Arcade Fire - The Suburbs

Tal como aconteceu com Neon Bible, tivemos de esperar três anos pelo novo Arcade Fire. E, mais uma vez, a espera compensou. Primeira nota, é o disco mais longo que a banda produziu até agora (64 minutos) e, por vezes, isso nota-se. Não há chouriços para encher, mas há um par de canções que se estranham. O tempo dirá se se entranham. Como não podia deixar de ser, há também os habituais hinos para estádios, vãos de escada ou elevadores (não, não é brincadeira. Há vários clips que mostram a banda a tocar Wake Up em sítios onde dificilmente caberia um doberman bem apessoado).

Ao primeiro tema, a primeira sensação de estranheza. The Suburbs é uma canção primaveril para cantarolar no chuveiro, os Arcade Fire em versão lolipop. O pagode dura pouco. O tema seguinte, Ready To Start, perfila-se como um candidato a ponto alto dos concertos. Butler protesta, Businessmen drink my blood, Like the kids in art school said they would, e nós protestamos também. Os Arcade Fire não estão aqui para brincar, e quando WB proclama Now I'm Ready To Start, replicamos We Hope You'll Never Stop!



Em Empty Room, os AF vestem as roupas da E Street Band, num rock'n'roll curto mas poderoso, um émulo de Out In The Street (do LP The River), com Régine a dar o corpo (e a voz) ao manifesto. O tema Half Light, divido em duas partes, é outro ponto alto do novo disco. Inicia com a brutal suavidade característica dos AF de The Funeral, com o embalo da voz de Régine Chassagne, e transporta-nos para o final arrebatador onde todos os instrumentos parecem possuídos por um desejo de atingir um clímax que sabem ser impossível de alcançar. Segue-se Suburban War, um dos temas em que mais aposto para os espectáculos e para favorito das multidões. Um hino à solidão, num registo pop marcado por uma percussão sincopada e um piano quase solitário, que mantém os outros instrumentos estranhamente afastados da habitual parede sonora.
 
Por fim, após o futuro clássico We Used To Wait, chega o meu momento favorito, mais uma peça em dois andamentos distintos, Sprawl. Na primeira parte, WB lamenta-se, Took a drive into the sprawl, to find the places we used to play, it was the loneliest day of my life, you're talking at me but I'm still far away, com uma guitarra deprimente saída directamente de The Last Goodbye de Jeff Buckley. Em socorro surge a boa da Régine, numa entusiasmante segunda parte muito pop, com sintetizadores saídos do nevoeiro dos anos 80, e mais uma canção sobre flores e andorinhas, à boa maneira das Strawberry Switchblades. Será? Dead shopping malls rise like mountains beyond mountains, And there's no end in sight, I need the darkness, Someone please cut the lights. Como é bom o cheiro a depressão pela manhã...

(originalmente publicado aqui)

sábado, 24 de julho de 2010

Ainda a propósito do regresso do vinilo...


Ando com este livro debaixo do braço. Não me vou alongar muito sobre ele, para já. Li pouco mais de um terço e, a páginas tantas, encontrei uma passagem que pode ser, perfeitamente, atirada para dentro do panelão da mini-discussão aberta em tempos no Musicbook, sobre o regresso do vinilo, a música e os seus suportes. À altura, defendi que ao culto do vinilo estava subjacente o culto de um objecto, o LP ou o 7", por parte de uma geração, e que a problemática da qualidade do som respectivo era perfeitamente secundário, no que toca à música pop. Podem ver o resto no Musicbook. Byrne atira as seguintes achas para a fogueira:

Stefan e eu conversamos sobre o destino do CD e da música gravada em geral. Stefan acabou de ir à Coreia do Sul, que ele descreve como estando, em determinados aspectos, uns quantos anos à nossa frente - diz que já ninguém compra lá CD. Na verdade, quando quis comprar uma cópia em CD de uma coisa que tinha ouvido, teve de ir a uma loja especializada para a conseguir - tal como, na Europa ou na América do Norte ou Sul, iríamos para comprar uma gravação em vinil.
Interrogamo-nos sobre o destino das imagens e do design associados ao LP e CD - um tipo de coisa com a qual ele tem estado envolvido já bastantes vezes. Lembra-me que a ligação entre imagem e música resulta do facto de o vinil se riscar com facilidade e, por isso, necessitar de uma embalagem de cartão mais resistente. E até há relativamente pouco tempo, nem sequer essas embalagens vinham com imagens, ficha técnica, notas interiores, etc. - originalmente, a embalagem que se dava à música era genérica. Antes disso, e durante séculos, as pessoas apreciavam música com todo o prazer sem quaisquer auxiliares visuais a acompanhar ou tipos de embalagens atraentes. No entanto, descobri que quando Alex Steinweiss concebeu uma das primeiras capas de disco,  para a sinfonia Eroica do Beethoven, a embalagem fez com que as vendas aumentassem em 800 por cento. Por isso, o design não é nada que se deva desprezar. As formas de embalagem da música foram evoluindo até se transformarem na personificação de uma visão do mundo representada não apenas pela música mas também pela embalagem, pelo intérprete, pela banda, pelo espectáculo, pelas roupas, pelos vídeos e por todos os outros materiais periféricos. Mas é possível que daqui a não muito tempo estejamos de regresso apenas ao elemento áudio, sem tudo o resto, graças ao mundo digital, onde muita gente compra versões digitais de uma única canção de que gosta, com os materiais e imagens associados à sua volta a serem deixados para trás ou ignorados. A era da nuvem de informação que rodeava a música pop, em representação de uma visão do mundo, pode ter terminado. Stefan não parece sentir nostalgia em relação a isso.


E vocês?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Joy Division, Piece by Piece - Writing About Joy Division 1977-2007, de Paul Morley

Paul Morley nunca o afirma ao longo das cerca de 400 páginas do seu livro, mas Joy Division - Piece by Piece é um livro sobre a morte. Não sobre A Morte, mas sobre a morte dos seus protagonistas. A história começa em 1977 e alguns dos principais protagonistas morrerão antes da história acabar. Curtis, o mito, Hannett, o feiticeiro, Gretton, o entusiasta, Wilson, a alma, Joy Division, a banda, New Order, o sobrevivente. Todos mortos em 2007.

É irónico que os três sobreviventes, Morris, Albrecht e Hook, venham a ser conhecidos em toda esta história como personagens quase menores. Como se a composição da melhor canção de todos os tempos, Love Will Tear Us Apart, da outra melhor canção de todos os tempos, Atmosphere, e também de Transmission, a melhor canção de todos os tempos, não tivessem sido escritas a oito mãos. Bem como todas as outras. Mas eles estão vivos, e esta história é feita pelos mortos. Still. Apesar de Blue Monday, o maxi-single mais vendido de sempre, em Inglaterra, que quase os levou à ruína, apesar da Madchester de final da década, que não existiria sem eles, apesar do sucesso à escala planetária. Tudo por causa de um fantasma.

O livro é uma compilação, apresentada por ordem cronológica, dos escritos de Paul Morley sobre os Joy Division. E sobre Tony Wilson. E sobre Manchester, a cidade. A história começa em 1977, os Joy Division ainda não são Joy Division, na verdade, ainda não são Warsaw. E termina em 2007, poucos dias após o anúncio da morte de Tony Wilson, o homem que arrastou o jovem Morley, em Maio de 1980, até à urna onde repousava o cadáver de Curtis e lhe anunciou que um dia ele teria de contar toda a história, porque esse era o seu dever para com ele próprio, para com o Norte, para com Manchester, para com Curtis.

Mas a história começa ainda antes, com outro cadáver, com outro suicídio, que não tem nada a ver com a nossa história e tem tudo a ver com a história de Morley. O suicídio do pai, pouco antes do suicídio do próprio Curtis, os dois fantasmas que vão assombrar a história do autor, o cadáver que ele viu e o que desejava ter visto. A obsessão que o levou a ser proibído de escrever sobre os Joy Division pelo New Musical Express, a frustração de não poder declarar a magnificiência de Unknown Pleasures e o deslumbre de Closer. E a glória de Love Will Tear Us Apart, Atmosphere e Transmission. Cada uma delas, a melhor canção de todos os tempos.

Não me recordo de ouvir os Joy Division pela primeira vez. Mas lembro-me de quando ouvi Love Will Tear Us Apart de forma obsessiva, até rebentar com a fita da cassete com a emissão do Rolls Rock onde a canção estava gravada. Ouvi-a no parque de campismo da Praia Verde, no Algarve, um lugar importante para outra história que não esta. Tinha 17 anos e foi a última vez que passei férias com os meus pais. Exilado no gulag algarvio com saudades dos amigos, dos discos, dos livros, da namorada. Não necessariamente, mas muito provavelmente, por esta ordem.

Um ano depois, num outro país, com saudades dos discos, com saudades dos livros, com saudades dos amigos, mas com uma outra namorada, deitei a mão a Unknown Pleasures e a Closer. Os dois no mesmo dia, numa minúscula loja de discos da vila de Überlingen, no sul da Alemanha. Mas essa é uma outra história e eu não a vou contar. Pelo menos a vocês. Mas a história dos Joy Division, contada por Paul Morley, recomendo-a vivamente.

domingo, 4 de julho de 2010

Li e gostei


Não é bem um livro sobre a Segunda Guerra Mundial: é O livro sobre o tema. É como um diário das várias frentes, descritas de uma forma jornalística mas empolgante, com um ritmo diabólico. Saber como acaba o livro não estraga o prazer de o ler. Do Martin Gilbert já lera a biografia de Winston Churchill. Voltou a não decepcionar.