quarta-feira, 21 de abril de 2010

Eu, pecador, me confesso


No passado Sábado, estive na CDGO para ajudar a comemorar o Dia das Lojas de Discos, ao assumir o meu papel tradicional, o de consumidor compulsivo. Não me quero gabar mas, ao longo destes últimos trinta anos, penso ter dado provas cabais para poder afirmar, sem qualquer tipo de hesitação, ter um doutoramento na difícil arte de derreter uma fortuna em música pop, nos seus diversos formatos.

Este hábito bendito teve as suas origens em dois locais distintos, mas ligados entre si por um elemento comum. Eu. O primeiro destes locais é o Largo da Sé, o sítio imponente onde, na viragem da década de 70 para 80, se realizava a Feira de Vandoma que, alguns anos mais tarde, se viria a deslocar para as Fontaínhas. Parte da minha colecção de vinilo foi adquirida lá, a colegas vendedores que, tal como eu, tentavam arranjar algum dinheiro para alimentar o seu vício. O meu entrava-me pelas orelhas, o deles subia-lhes pelo nariz.

Numa época de edições nacionais de prensagens manhosas, de esperas de meses por encomendas adquiridas em catálogos da Cobb Records que, no pior dos cenários, poderiam ficar retidas na fronteira, de angústia por causa do dinheiro que tínhamos entregue ao amigo que ia a Londres, para que nos trouxesse o London Calling, e que podia perfeitamente ser derretido em cerveja ou noutros produtos menos lícitos, a Vandoma podia ser, por vezes, uma ilha do tesouro.

Lá, encontrei uma prensagem original do primeiro LP dos The Stranglers, banda que, à altura, venerava. De uma assentada trouxe para casa a gloriosa trilogia de meados de 70 dos Kraftwerk, Radio Activity, Trans Europe Express e The Man Machine. Também era frequente conseguir deitar a mão a algumas edições menos conhecidas por cá, como o LP de estreia de Poly Styrene, ou as colectâneas  The Birth Of The Y, ou The Roxy, London, WC2: Jan-Apr 1977.

Mas nem tudo foram rosas. Alguns barretes foram enfiados com enorme galhardia. Lembro-me de um exemplar do My Aim Is True de Elvis Costello, cujos danos no vinilo escaparam á habitual vistoria pré-pagamento, e que apenas serviu como objecto de decoração da parede do quarto. Podia contar-vos o inesquecível momento em que cheguei a casa e verifiquei que o que se encontrava dentro da capa do Kilimanjaro dos Teardrop Explodes não era, na realidade, o disco da banda de Julian Cope, mas uma colectânea de êxitos italianos do Festival de San Marino. Mas a decência manda que me cale por aqui.

O segundo lugar, elemento fulcral nesta história de pecado e perdição, é a discoteca Jojo's, situada no Centro Comercial de Cedofeita. Na realidade, actualmente, a loja responde pelo nome de CDGO e deslocou-se para um prédio a duas dezenas de metros do local original, como pode ser visto na fotografia acima colocada.

Local de paragem obrigatório no regresso a casa, era lá que derretia os tostões que sobravam do pequeno pecúlio que tinha obtido na Feira. A pequena Jojo's era muito diferente da loja actual. Ficava situada no início do corredor de entrada do minúsculo centro comercial, do lado esquerdo. Ao balcão encontrava-se, frequentemente, a D. Fernanda, de enorme cabeleira vermelha, com quem ficavamos à conversa horas seguidas, enquanto nos ia mostrando as novidades acabadinhas de chegar e que nós, como ela bem sabia, nunca teríamos dinheiro para comprar. Eram como o Santo Graal. Os elepês importados.

Lembro-me perfeitamente de andar a juntar dinheiro para comprar uma edição original do Never Mind The Bollocks dos Sex Pistols. Quando entrei pela loja dentro, todo lampeiro, para, finalmente, deitar as mãos ao objecto desejado, em vez da edição inglesa, que me iria custar os olhos da cara, estava à minha espera uma edição nacional, acabadinha de chegar, que me valeu levar para casa, com o dinheiro que iria gastar, três ou quatro discos em vez de um só.

Apesar de me ter afastado do convívio, quase diário, com o pessoal da loja, a ligação ainda se manteve forte. Foi lá que, e graças ao simpático Paulo, nos anos 90, conheci os Walkabouts, os Calexico e os Morphine. E foi lá que comprei um dos meus primeiros CDs, In Vivo dos GNR, após receber uma dica do Artur Ribeiro, o dono da loja, sobre a iminente retirada do disco dos escaparates, na sequência de uma queixa de Vítor Rua por causa da disputa dos direitos de autor de Sê Um GNR e Portugal na CEE.

Por isso, no passado Sábado lá estive, juntamente com outros PopMusicJunkies, a celebrar um local, uma paixão, um estilo de vida. Muito discutível, por sinal. Aproveitei para conhecer os novos espaços dedicados aos livros e ao vinilo, situados no primeiro andar, ouvir os showcases de duas bandas cujo nome, vergonhosamente, não me consigo recordar, e trocar dois dedos de conversa com o Paulo e o Artur.

Como registo do acontecimento trouxe para casa o Mother Juno, quarto álbum dos The Gun Club, uma das minhas bandas fetiche. E para mostrar que não sou um velho quadradão hippie, ainda meti ao saco o The Flying Club Cup dos Beirut, um dos melhores discos dos anos 00, que, estupidamente, ainda não tinha extorquido ao Dupont numa qualquer ocasião festiva. Por fim, demonstrando um enorme sentido de oportunidade, comprei o primeiro disco dos gaiatos MGMT. Logo agora que saiu o segundo...

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