sábado, 5 de dezembro de 2009

Em Portugal Tudo É Porto-Benfica #1

Ontem almoçava um charmoso linguado num restaurante do Parque das Nações na companhia de um inglês, um espanhol e alguns portugueses locais - eu era o único tripeiro da mesa. E não, isto não é o início de uma daquelas anedotas do tipo "Bocage" - tão populares nos anos 70.

Invariavelmente a conversa passou pelo futebol, acabando nos temas fracturantes da regionalização que, na perspectiva dos naturais da capital, radicam sempre na dôr-de-corno provinciana dos portuenses (e faço aqui notar, mais uma vez, que alguns - bastantes - lisboetas chamam aos naturais do Porto "portistas" o que não deixa de ser sintomático de como qualquer discussão norte/sul fica automaticamente comprometida já pelo preconceito, já pela ignorância). Falou-se de ópera, das corridas da Red Bull, do novo aeroporto e da nova ponte. E das auto-estradas. E da Expo 98, das finais de futebol sejam da Taça sejam de campeonatos internacionais, do Rock in Rio, etc., etc.

O rol dos argumentos do costume não faltou: o número de habitantes, a capital, as oportunidades de negócio, o provincianismo, o Pinto da Costa, a choraminguice nortenha e o resto do arsenal habitual.

A mim, que sou 2/3 transmontano e 1/3 portuense (mas 100% portista), a discussão deprime-me. Mas não pude deixar de alinhavar algumas constatações:

- o que é, nos dias que correm, ser lisboeta ou portuense? Alfacinhas de gema ou tripeiros dos sete costados não deverão ser muitos. Na grande maioria trata-se de gente de fora que demandou as cidades maiores em busca de novas e melhores oportunidades. São transmontanos, beirões, alentejanos, madeirenses. Mas, como todos os convertidos, depressa se tornam os mais ferozes defensores da ortodoxia do local. Invocar o bairrismo, nestas discussões, é absurdo. É como o Liedson falar de 1640 para moralizar a selecção contra os espanhóis.

- A todos os que participam nessas discussões sobre onde deve a corrida de aviões ficar, ou os concertos do Parque Eduardo VII, ou do Cohen, convido a que vão viver uns anos para Castelo Branco, ou Bragança, ou na Guarda. Verão que a coisa toma outros matizes de cinzento.

- A questão do número de habitantes não pode ser argumento nem causa: é pelo contrário consequência das políticas erradas da distribuição das oportunidades (ou seja, dinheiro). Lisboa tem muitos habitantes porque quem quiser ter acesso tem de lá estar. O Porto, que vai tendo cada vez menos, vai mesmo assim congregando a rapaziada minhota e transmontana que não quer ficar a ver passar a vida como os seus avoengos, atrás de uma charrua. No que a Lisboa diz respeito é ainda pior, porque mesmo os do Porto sentem necessidade de para lá ir, se quiserem singrar. É por isso um argumento "pescadinha-de-rabo-na-boca": tudo se passa em Lisboa, que tem mais mercado porque tudo se passa em Lisboa.

- Porto e Lisboa não se conhecem. Há de facto várias diferenças culturais entre Lisboa e Porto, como também as há - e provavelmente maiores - entre transmontanos e algarvios, entre madeirenses e beirões, entre João Jardim e os humanos. Mas isso não torna nenhuns melhores do que os outros. Se todos fossem iguais seria uma sensaboria. O problema dos desequilíbrios entre Lisboa e o resto do país não é culpa de Lisboa: é culpa dos políticos, a maior parte deles de fora de Lisboa. O facto de residirem em Lisboa enquanto governo também não é culpa de Lisboa. Nem, neste caso específico e excepcional, de Santana Lopes, que os queria espalhados pelos sete ventos. Por outro lado, o Porto e o resto do país não têm culpa de que só possa haver uma capital.

- Em Lisboa constrói-se uma auto-estrada para evitar que se demore uma hora a chegar a casa ou ao trabalho, aliviando a vida das pessoas. No distrito de Bragança não há um quilómetro de auto-estrada e ninguém se importa que alguém possa levar mais de uma hora para chegar a um hospital, que as crianças demorem mais de uma hora para chegar a uma escola que fica a 40 quilómetros de distância da sua casa - e que por isso tenham que levantar-se com o galo. As grávidas têm que percorrer dezenas de quilómetros para parir porque não há, na terra delas, massa crítica para manter uma maternidade ou uma urgência abertas. Em Lisboa, no Porto, se uma escola fecha e as crianças têm que andar mais meia dúzia de quarteirões é o caos e o horror. Tendo massa crítica manifestam-se e as televisões interessam-se pelo assunto.

Resolveria a regionalização este estado coisas? Eu diria que sim. Mas depois olho para os deputados do queijo, os Jardins, os Macários, os Loureiros, as Felgueiras e restante pandilha e fico pensativo. Significa isso que tudo fique como está? Claro que não. Afinal, não há só Porto e Benfica.

1 comentário:

  1. Noto que o Algarve não aparece neste belo post.
    Será talvez o reconhecimento implícito da única região natual do continente.
    Já agora: Botas porquê?
    Cpts.

    ResponderEliminar