O Jornal Público trazia hoje à estampa a seguinte notícia sobre a polémica à volta da mudança da Red Bull Air Race do Porto para Lisboa:
"Segundo uma fonte ligada ao processo de negociação com a Câmara de Lisboa, o modo "regionalista e primário" como as instituições do Porto estão a reagir à transferência da prova para Lisboa, incluindo o apelo ao boicote dos patrocinadores, poderá levar a empresa austríaca a desistir de realizar a prova em Portugal."
"Parece que, no Norte, as pessoas preferem ver a prova em Espanha do que em Lisboa", lamentou aquela fonte, de acordo com a qual a transferência da corrida aérea para a capital não implica qualquer acréscimo da comparticipação do Estado."
Ao longo do artigo são ainda acrescentadas algumas declarações de patrocinadores, e associações ligadas à hotelaria, turismo e comércio lamentando a mudança e a polémica, e até o habitualmente ponderado Rui Moreira mete a sua colherada considerando que a polémica gerada pode levar as empresas patrocinadoras a abandonarem a prova. "E aí nem vêm para Lisboa nem para o Porto. Vai-se acabar por estragar isto tudo e não faltam cidades na Europa interessadas", alertou Moreira, que exortou o Turismo de Portugal a prestar esclarecimentos sobre o caso. "Os patrocinadores são livres de fazerem o que entenderem, mas o que me interessa mais é a questão dos dinheiros públicos", disse.
Vamos por partes. Como consumidor declaro desde já que não sou parte interessada. Nunca bebi Red Bull e não tenho o mínimo interesse em corridas motorizadas sobre a terra, sobre o mar ou pelo ar. Logo, é-me completamente indiferente que a famosa Red Bull Air Race se dispute no Porto, Faro, Baixa da Banheira ou Vladivostoque. Do que não gosto é que me tomem por estúpido. É uma coisa que me chateia, como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo.
Não sei qual é a fonte ligada ao processo de negociação com a Câmara de Lisboa, que serviu de base ao artigo em causa, mas ao lamentar a preferência das pessoas do Norte por Espanha, apenas demonstra a forma provinciana e serôdia como Lisboa olha para o resto do país.
É óbvio que as pessoas do Norte preferem ver a prova em Espanha que em Lisboa. Porquê? Porque é mais perto ir a Vigo que ao estuário do Tejo. Obviamente que se for em Barcelona a conversa será outra. É muito vulgar ouvir, em debates televisivos, os inteligentes da capital argumentarem com o tamanho do país para contrariarem a descentralização de serviços ou pretensões regionalistas de outras zonas geográficas. Façamos um pequeno desenho.
No dia 19 de Julho de 2008 fui com a minha senhora ver o Leonard Cohen a Lisboa. Em primeiro lugar tive de arranjar quem ficasse com o meu filho de 7 anos durante 2 dias. Depois paguei € 35,00 por bilhete, mais 2 bilhetes para o Alfa (em 2ª classe), mais o jantarzito. Por sorte e por gentileza de um bom amigo não tive de gastar dinheiro num quarto, senão a coisa era um bocado pior.
O meu amigo, portuense exilado em Lisboa em virtude das oportunidades de trabalho (outro assunto que nos levaria longe), deixou a filha em casa de uma irmã, durante 3 horitas, saiu para o concerto com meia hora de antecedência, e apenas gastou uns cobres num jantar para disfrutar da nossa boa companhia por mais algum tempo. Ou seja, para ver um concerto de 2 horas e meia, o meu amigo gastou quatro horas do seu tempo, eu gastei um dia inteiro. Fora o resto.
Este ano, o senhor Leonard Cohen voltou. E muito eu gostaria de o rever. Mas não pode ser porque as coisas estão apertadas e mais uma ida à bela Lisboa ficaria fora de orçamento. Dirão vocês, és um pelintra e só dás exemplos de coisas perfeitamente dispensáveis. Digo eu, é verdade, mas há muita gente ainda mais pelintra do que eu e que tem de fazer deslocações a Lisboa mais amiúde por assuntos bem mais importantes. E inadiáveis. E não têm alternativa.
Defender a concentração de serviços, espectáculos, actividades culturais, ou caça aos gambuzinos em Lisboa, é prestar um mau serviço ao país e tratar o resto dos portugueses como cidadãos de segunda. E podem argumentar falaciosamente com a soberana vontade dos promotores. O problema é que desde os tempso áureos do consulado do dr. Cavaco em meados dos anos 80, que esta visão microcéfala do país tem vindo a ser imposta a quem tem o azar de viver longe da capital. Mas não muito longe. Todos sabemos que, para quem faz pela vidinha á volta do Terreiro do Paço, as distâncias a percorrer pelos seus compatriotas são sempre muito pequeninas.
É uma chatice. Para quem mora longe da capital, quero eu dizer.
(Aeroplane, Red Hot Chili Peppers)
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