sábado, 14 de novembro de 2015

A propósito do naufrágio do vapor "Porto"



Acabado de construir em Plymouth em 1836, o vapor "PORTO" andou por muitos anos em serviço de transporte de passageiros e correio entre a Invicta e Lisboa, tendo a sua viagem inaugural ocorrido no dia 1 de Janeiro de 1837, com 17 passageiros a bordo.

Em 28 de Março de 1852, saíu o Porto da barra do Douro com destino a Lisboa, mas encontrando forte temporal a sul da Figueira da Foz, retrocedeu a norte, com o objectivo de procurar abrigo em Vigo. Passando todavia diante da barra do Douro, e por pressões do passageiros e porque obtivesse autorização de entrada dos pilotos, decidiu entrar. Uma alegada má manobra, precipitou o vapor para as pedras do Touro e Forcada, onde acabou por desintegrar-se devido à força do mar. Pereceram todos os 36 passageiros (entre os quais muitas figuras de relevo da sociedade portuense da época) e 15 dos 22 tripulantes. Foi a maior tragédia ocorrida na barra do rio Douro.

Publico agora uma carta escrita pelo então piloto-mor da barra, Joaquim Luiz de Sousa que, face aos ataques na imprensa quer contra a decisão dos pilotos de dar entrada ao navio, quer contra os habitantes da Foz acusados de cobardia por não terem tentado o resgate dos náufragos, entendeu ser seu dever defender-se e aos seus conterrâneos.

Vai conforme publicada no Jornal Periódico dos Pobres do Porto, com data de 7 de Abril de 1852. Apreciem o estilo, que é um regalo e um bom exemplo de como se lavrava a língua em meados o século XIX.

"Sr. Redactor do Eco Popular,
Julguei que os serviços que durante o longo espaço de 60 annos tenho prestado à minha Pátria. Julguei que os auxílios que me ufano de ter prestado à humanidade, serião motivos assás fortes para na minha idade de 74 annos, e hoje falto de saúde, merecer de V.Sª sendo como foi tão pouco escrupuloso na sua accusação, há-de permitir que eu em represália seja merecidamente severo na minha defesa.
O artigo de fundo do seu jornal nº 73 de 30 de Março último, é-me altamente offensivo, e aquelles que me conhecerem lembrar-se-ão da ferocidade de um Nero e da barbaridade de Calígula. Porém quem concedeu a V.Sª o direito de se arvorar em juíz da minha reputação? O conceito que os homens de bem fazem de mim sei-o eu, e muito me honra; o de V.Sª nunca tive o gesto de ouvir. Mas que bem tem V.Sª feito à humanidade? Quaes são as acções que attestão a sua philantropia e charidade? Nenhuma talvez? Ora então abrirei o meu alfarrábio e, lendo-lhe alguns apontamentos, perguntarei: Quando eu arriscava a minha vida em vária occasiões, desde o anno de 1810 até 1845, para salvar como salvei as tripulações dos navios Maria - Santa Cruz - Carmo - Olália - General Silveira - Lusitano - Conde de Cavalleiros - Brilhante - União - Especulador - Hebe e alguns outros cujos nomes não registrei; aonde estava V.Sª? Quem sabe? Talvez estudando a maneira s'appoquentar o seu similhante? Talvez fazendo ensayos da arte de calumniar? Talvez discutindo o plano de mandar dar por philantropia e charidade de meia dúzia de cacetadas no próximo. Só por não pensar como V.Sª. Diga-me mais. quando em 12 de Dezembro de 1830 se afogarão 9 desgraçados em Mathosinhos, e eu perdia à minha custa 300$000 reis, e ainda assim subscrevia com 40$000 reis para alívio dos infelizes, que misturarão a fome com as lágrimas; que acto de philantropia e charidade fazia V.Sª? Eu sei; talvez nenhum: publicou a conta corrente da comissão de socorros, de que eu também fazia parte; mas em logar de imitar o exemplo d'outro seu collega, fazendo essas publicações grátis, recebeu da mísera viúva e do orphão infeliz a quantia de seis mil rei!!! Isto pelo comparativo da minha conducta com a charidade de V.Sª.
Agora vamos ao desastroso naufrágio do vapor Porto. Todos ou quase todos sabem que estou suspenso do exercício das funções de piloto-mór desde o princípio do mês de Março por insistir no pagamento das pilotagens dos navios do Estado, que o Govêrno de S.M. ordenou e o Sr. Intendente da Marinha do Porto confirmou em seus offícios de 30 de Junho e 22 de Julho de 1846, que tenho em meu poder. por isso não assisti à consulta dos pilotos para a entrada do vapor Porto, no entanto hoje é de todos sabido que ella foi unanime em que o referido navio podia entrar, e tanto não julgavam os pilotos diffícil a entrada, que o piloto de nº José Joaquim de Meirelles, encarregado para o vapor, apenas se tinha dirigido para a barra com uma só catraia, acompanhado do piloto de nº Manuel Francisco Moreira. Diz-se agora: os pilotos são culpados porque chamárão o vapor Porto para entrar quando não era occasião; mas suppunhamos que os pilotos  Que o mandavão retirar, e que o sinistro em logar d'accontecer na barra do Porto, aconteceria em outra parte. Que diria V.Sª? Oh! os pilotos são culpados porque mandarão retirar o vapor, quando elle podia ter entrado, porque já o havia feito antes em peor occasião, e não tinha falta de cousa alguma, apesar de isso ser diffícil de saber-se, por que me consta que nem o Código de Marryatt tinha a bordo.
O que é certo, é que o vapor Porto navegou bem mesmo na passagem mais arriscada, e o seu desgoverno depois que passou aquelle sítio, só se pode attribuir a grande descuido dos homens do leme, que fazendo guinar a embarcação primeiro, para sul, e depois para norte sem firmeza precisa na sua marcha occasionou a horrorosa catastrophe. Eu apesar de estar suspenso, apesar de doente à (sic) mais de 60 dias, e em uso de remédios, e com recomendação do meu médico, o Sr. Dr. António Fortunato Martins da Cruz de evitar tudo quanto fossem fadigas, e até de ir à barra, logo que ouvi os primeiros gritos d'alarme, sahi de casa, e corri ao sítio da Senhora da Lapa, e vendo o estado do vapore a sua arriscada situação sobre as pedras da Forcada, ordenei logo que fosse desencalhada a minha catraia grande, e promettendo dinheiro à companha, a quem já paguei pelo trabalho  que tiverão) fiz embarcar uma ostaxa e um ancorote, embarcando também meu filho o piloto do nº António Joaquim de Sousa Carvalho; tive porém a desconsolação de vêr que nem a catraia em que foi meu filho, nem a do piloto do nº o SR. Francisco Soares Lima, que ali tinha chegado poucos minutos antes, por estar desencalhada) e aonde se achava o piloto encarregado ao vapor o Sr. José Joaquim Meirelles, que tinha passado da sua catraia para aquela, não podião passar abaixo do sítio da Meia Laranja, porque o escarcéu o não permittia, e tiverão de voltar para cima.Nesta occasião o vapor avançou mais para leste e então o piloto do nº Sr. Manoel Francisco Moreira, por estar em uma catraia mais pequena pode passar por entre as pedras ao pé do vapor, e obter um cabo, o qual fugindo logo das mãos da gente da catraia fugiu com elle a esperança de estabelecer-se a comunicação com o vapor, e por isso a salvação para os infelizes que estavão a bordo. Desde então a aproximação do vapor por via de catraias tinha-se tornado impossível; a maré começara a ressentir-se da água de cima que o rio trazia, e a arrebentação do mar por toda a parte cada vez mais violenta; batia de flanco no casco do navio, arrojando-o contra as pedras, de que resultou partir-se o leme, arrombar-se; e finalmente ir para o fundo. Torno a repetir o meu mau estado de saúde não me perimittia, nem permitte fazer grandes excessos, mas ainda quando podesse fazer as bizarrias que d'antes practicava; estou convencido que ellas de nada appoveitavão, porque desde o momento que se perdeu a esperança de comunicação com o navio, também a esperança de salvar-se a gente.
Agora Sr. Redactor, grita-se de tudo e contra tudo, culpa-se os pilotos; chama-se malvada à gente da Foz, e ataca-se sem piedade, e sem distinção uma povoação inteira como se fosse um bando de escravos a quem algum gritador quando n'outro hemisphério viu talvez surrar sem compaixão, só porque deixarão d'apanhar para seu humano Sr., ou caixeiro alguns arráteis d'arroz.
Sr. Redactor, não se queixem de quem não tem culpa na horrenda catastrophe que acabamos de presenciar. Queixem-se sim da indolência, a culpável imprevidência com que se deixou alienar, e vender os objectos com que se podião ter salvado tantas vidas, victimas, como se a Providência nos tivesse dado a segurança de que na barra do Porto, não tornarião haver naufrágios. Queixem-se de quem com a mais requintada maldade, e bárbaro intento tem obstado a que se tenha feito cousa alguma a favor da barra do Porto, aonde a experiência me tem mostrado no decurso de 60 anos, que se pode conseguir alg ummelhoramento, quebrando as diversas lages que difficultão a sua entrada, pelos meios que a hydráulica ensina, e que no estrangeiro se estão pondo em práctica, e canalizando quanto se possa o rio nas suas duas margens, como já em 1835 apresentei ao Governo.
Quando ainda à pouco se tractou de fazer um empréstimo de 40 contos para dar começo às obras da barra do Porto aonde estavão tantos declamadores? Então porque se consentiu que o egoísmo, a especulação e talvez a maldade entrassem em cálculo, deixando ao desamparo a sorte da humanidade?!!!
Sr. Redactor já vai sahindo longo este artigo, por isso concluirei observando que estou velho, e doente; que tenho gasto a minha saúde ao serviço da Pátria, e muitas vezes no da humanidade afflicta, a quem com risco da minha vida tenho estendido muitas vezes a mão no momento em que um morte agonizante ia pôr termo a uma existência que servia d'amparo à esposa e filhos, e isto Sr. Redactor digo-o com ufania, sem nenhum outra recompensa, mais do que aquella que tem competido ao meu merecimento, e à minha justiça. Embora a vil intriga me tenha querido morder como agora, eu tenho tido o prazer, de ver mais de uma vez, que esses mesmos intrigantes são aquelles que se teme encarregado de justificar o meu préstimo, a minha sinceridade e os importantes serviços que sempre, tenho prestado ao Comércio, ao Estado, e à humanidade. Sou, Sr. Redactor!
Seu Venerador e criado, Joaquim Luiz de Sousa, 1º Tenente Graduado d'Armada e Piloto-mor da Barra, Foz do Douro, 3 d'Abril de 1852".


Não me fotografem a comida, se faz favor

Olhando o Sofrimento dos Outros
Susan Sontag
Quetzal, Julho de 2015
125 páginas 




Susan Sontag foi uma das referências culturais do século passado. Companheira de Annie Leibovitz, escreveu ensaios, ficção e artigos em publicações tão distintas como a New Yorker, a Granta ou o New York Times. Morreu em 2004, aos 71 anos.

Neste ensaio, o último a ser publicado ainda em vida, Sontag analisa o poder das imagens e medita sobre as motivações de quem as captura e de quem as consome.

É um livro interessante e a perspectiva que mais me cativou prende-se com o assunto do costume: a natureza humana. Desde logo, apresenta um ângulo interessante sobre a percepção do horror, a partir do poder da imagem. Acaso a barbaridade de Hiroxima, documentada pela foto do Enola Gay antes da partida e das fotos do "cogumelo", excede em número e horror a do bombardeamento de Dresden?  Deste não há imagens e poucos saberão o que foi destruído, o número de vítimas, o horror dos que morreram queimados pelas bombas de fósforo incandescente. Há evidentemente uma diferença fulcral: a velocidade e a escala dos efeitos destruidores de um único engenho. E no entanto, o número de vítimas não é muito diverso.

Uma fotografia é sempre um testemunho. É o tira-teimas factual, um dos inúmeros espelhos onde se reflecte uma realidade. É mais poderosa do que um manifesto, um testemunho. Não raras vezes, define um todo. Os exemplos que Sontag aponta no livro são os obrigatórios: quando pensamos na Guerra Civil espanhola, vemos a foto de Capa do soldado no momento da morte, largando a arma, com o corpo arqueado. Se falamos de Auschwitz, visualizamos a foto do portão da entrada, com a sua inscrição sinistra. A vitória americana no Pacífico é a bandeira segura por soldados em Iwo Jima, o dia D é a foto desfocada de Capa. 

As mais icónicas evocam, habitualmente, feitos, momentos históricos, valores, actos de coragem. Mas também testemunham horrores, atrocidades, inimagináveis actos da imparável maldade humana.

Hoje, a fotografia serve todos estes propósitos. Mas a profusão de aparelhos capazes de capturar imagens, associada à disseminação da utilização das redes sociais, mudou o paradigma. Hoje, uma foto é um testemunho de existência.

Vemos, diariamente, fotos de comida, de painéis de instrumentos indicando a temperatura do ar, selfies, os filhos, os locais de férias, bebidas exóticas a serem consumidas. Há dias, pude ver um pequeno filme caseiro onde um cão, que havia encontrado um bebé abandonado numa caixa do lixo, o carregava na boca para um local mais seguro (presumimos). Fiquei boquiaberto por constatar que quem o encontrou filmou a cena ANTES de retirar o recém-nascido da boca do rafeiro, o que define bem as prioridades que o nosso cérebro globalizado estabelece: regista primeiro, publica a seguir, ajuda depois.

Há dias, a propósito de uma descoberta na área da mecânica quântica, li isto: "De acordo com a teoria quântica, a natureza de uma partícula não existe até que ela seja medida, o que significa que ela apenas existe em um estado de superposição até que alguém decida observar". É um bocado o que ocorre no quotidiano actual: não interessa o que vemos, o que sentimos, o que experimentamos, o que comemos, com quem estamos - se não puder ser partilhado. As singularidades do dia-a-dia só adquirem significado apenas se e quando passam por um par de olhos adicional, de preferência por muitos. E após a partilha, queremos a validação - o "gosto", o polegar para cima.

Dantes, contava-se um episódio pitoresco da nossa experiência e desesperava-se perante a incredulidade dos ouvintes. Hoje, ripa-se do smartphone ou do tablet e zás! toma lá a prova: era ou não era um cão com 3 orelhas? Comi ou não comi a do quinto esquerdo?

Hoje a fotografia é menos uma visão de algo, ou até um testemunho: hoje a fotografia (alguma, bastante) é essencialmente prova forense.


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Tens a certeza que isso é o Livro Sagrado ou tens uma 'Gina' escondida aí no meio? (I)

Pornografia, aborto, ver páginas marotas cheias de badalhoquice na web, o Pastor Jeff Crawford tudo explica. Para mais detalhes, é favor consultarem o Livrinho do costume, mais precisamente os Coríntios VI.

Para que não vos falte nada, aqui fica o link.


domingo, 8 de novembro de 2015

Força, Camarada Vieira!



A metade menos cabeluda mas muito mais sexy deste blogue vem por este meio declarar todo o seu apoio à candidatura à Presidência da República do grande Manuel João Vieira. E, no improvável cenário de o povo português ter uma paragem cerebral e não eleger o valoroso lusitano como primeira figura do Estado, avançamos já com uma declaração de apoio à candidatura Vieira2021. Viva Portugal! Viva Vieira! Mas não por esta ordem.

Nota: esta metade do blogue fica a aguardar que a outra metade do blogue saia do armário e decida, de uma vez por todas, se apoia o candidato do povo ou se vai insistir no apoio ao terceiro mandato do Cavaco.

sábado, 7 de novembro de 2015

Ao meu Camarada Gui Mito (ou, E Agora Com Um Desenho)

Leio e concluo (salvo melhor opinião):
"...tendo em conta os resultados eleitorais" (o seu conjunto, os seus matizes) não é o mesmo que "... tendo em conta o resultado eleitoral" (quem ganha e, por defeito, quem perde).
As palavras são uma chatice: têm o defeito de definir, delimitar, positivar. Exactamente como o bom senso.

Defender, por isso, o direito a que se constitua, no quadro da representação parlamentar resultante das eleições de Outubro, é o mesmo que defender a liberdade de expressão: nesta defendemos o direito de todos e cada uma a dizer tudo o que se lhe ofereça e não apenas o que nos agrada. Naquela, defendo esse direito por muito que o governo daí resultante me agrade ou não.

A Constituição é a lei fundamental do regime saído da Revolução de Abril. A tradição (os usos, os costumes) é uma fonte subsidiária da lei, por isso a discussão da nomeação de um governo assente na tradição (esquecendo o texto da lei constitucional) não é sequer séria.



Roberto Bolaño - Nocturno Chileno

"...a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem à verdade final, a única verdade".
Edição Quetzal, Pág. 13

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Decadência Urbana (I)


Estamos de volta!


Meninas e meninos, estamos de regresso após um interregno de dois anos. A Pátria chamou e não podíamos ignorar o apelo da terra-mãe. Contém connosco para viabilizar o governo PSD/CDS, levar Cavaco ao terceiro mandato, servir o catering na visita do Papa ao santuário de Fátima e publicar diariamente fotos de gatinhos, frases motivadoras e estados de alma profundos. Em resumo, salvar a humanidade.

Pedimos desculpa pelo estado em que se encontra o blogue. A mulher da limpeza espatifou as fotos das publicações antigas e isto ficou com mau aspecto. Para compensar, pedimos que nos enviem fotos das vossas primas em trajos menores. As melhores serão publicadas em substituição dos horríveis espaços em branco actuais.

Então até já. Despeço-me com amizade. Um xi apertadinho para todos.

Praça do Infante (vista do Hard Club)


Outono na Cantareira


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Piedade

"A piedade pode implicar um juízo moral se, como Aristóteles defende, ela for considerada a emoção que apenas devemos mostrar por aqueles que sofrem um infortúnio imerecido. Mas a piedade, longe de ser a irmã natural do medo nos dramas de infortúnio catastrófico, parece diluída - distraída - pelo medo, ao passo que o medo (o temor, o terror) normalmente consegue submergir a piedade."
(Susan Sontag, "Olhando o sofrimento dos outros", página 76)

No meio de mil explicações, duas mil razões, três mil comentários, a verdade que prevalece e explica a crise moral europeia face à questão dos refugiados sírios é esta: "o medo normalmente consegue submergir a piedade". E sendo assim, os terroristas já ganharam e a Europa civilizada capitulou.

Falamos de dez milhões de refugiados. podem vir todos para a Europa? Eu acho que podem. Se acaso todos os europeus dispersos pelo mundo fossem forçados a regressar - e cuido que serão bem mais do que 10 milhões - ser-lhes-iam fechadas as portas? Não. Porque, por mais declarações universais dos direitos do Homem que se façam, no fim é sempre "nós" e "eles".

Uma família bate à porta de minha casa e pede-me ajuda: porque são muçulmanos, mando-os bater à porta do meu vizinho muçulmano, que vive 3 portas acima?

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Fim

Mais um blogue que chega ao fim. Acho que já enterrei cerca de uma dezena. Este foi um dos meus favoritos mas há muito que não passava de um morto-vivo. O Dupont já tinha abandonado o barco e eu limitava-me a picar o ponto de vez em quando, só para dizer que isto ainda mexia.

É um adeus, temporário ou definitivo logo se verá, à blogosfera. A todos os que leram e mandaram umas larachas, o meu agradecimento.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Aos meus amigos benfiquistas

Caríssimos, como sabem, logo à noite irei torcer pelo Chelsea. Nem de outra coisa vocês estavam à espera. A fantástica rivalidade que une o destino dos nossos clubes a isso obriga. Além disso, não torço pelo Chelsea por ser portista ou anti-benfiquista (uma coisa implica a outra e vice-versa). Nem sou do Chelsea desde pequenino. Com os diabos, os cabrões levaram-nos os nossos melhores treinadores da última década! Torço pelo Chelsea por vossa causa! Por esta amizade que transcende o futebol (que na minha vida é uma insignificância) e que relega o chuto na bola para segundo plano. Se eu torcer pelo vosso clube, e caso vocês logo vençam (o que não irá acontecer), com quem é que vocês vão gozar? Com os adeptos do Chelsea do vosso bairro? Claro que não! O futebol é isso mesmo! É a adrenalina do jogo, a alegria da vitória e, acima de tudo, a possibilidade de gozar com a cara dos amigos, entre 2 cervejas, mesmo que se trate de vitórias do tempo da Maria Cachucha (coisa que vocês fazem amiúde). Os amigos são para estas ocasiões e o futebol resume-se a esta insignificância. Eu sei que, volta e meia, somos confrontados com a tanga do patriotismo para nos obrigar a estar todos do mesmo lado da barricada. Andamos uma época inteira a cultivar um antagonismo sadio para depois ter de aturar estes argumentos contranatura. Não se pode pintar um dragão de vermelho nem uma águia de azul! Bom, no caso da águia nem se pode pintar de cor nenhuma, porque não voa com as penas pintadas. Bicho fraquito... O patriotismo é cumprir com as nossas obrigações cívicas, conhecer e respeitar a nossa História e a nossa língua, o nosso património e a nossa cultura. Não tem nada a ver com chutos na bola! Ou será que os defensores do patriotismo futebolístico preferem a Margarida Rebelo Pinto ao Steinbeck, a Ana Malhoa ao Leonardo Cohen, a Fátima Campos Ferreira ao Jon Stewart, o António Pedro Vasconcelos (uuuupsss!!) ao Quentin Tarantino? Deixemo-nos de hipocrisias, e se logo o Benfica vencer o Chelsea (pouco provável), o meu telemóvel receberá, com galhardia, os habituais 'chupa porco!' que vocês têm a amabilidade de me enviar sempre que o vosso clube alcança uma vitória sobre o meu (coisa rara, como sabem). Um grande abraço deste vosso Amigo incondicional (pelo menos até domingo entre as 18h30 e as 20h15).

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O erro de Francisco José Viegas

Simpatizo com Francisco José Viegas. Gosto de ler as suas crónicas, sigo atentamente o seu blogue A Origem das Espécies que retomou após a saída do Governo, comprei e li com agrado o seu romance O Mar em Casablanca. Prometo, dentro em breve, ler mais alguns. Antes de ir para a Secretaria de Estado da Cultura esteve ligado à Quetzal, uma das boas editoras livreiras do nosso país. Sempre que aparece em debates televisivos apresenta os seus argumentos de forma clara e trata os seus pares cordialmente. Apesar da minha estima, não podíamos estar mais distantes em termos ideológicos. Ele é um homem de fé, eu sou um porco ateu. Ele pertence à direita moderada, eu estou moderadamente mais próximo da esquerdalha radical e protocomuna (caso ainda não tivessem percebido).

Foi com enorme surpresa que soube que tinha aceitado entrar para o Governo de Passos Coelho. Não sei se foi o único português a não perceber que as suas funções estavam completamente vazias de conteúdo ainda antes de ter tomado posse, a partir do momento em que o Ministério da Cultura desapareceu e se tornou um apêndice irrelevante debaixo da tutela do próprio PM. O que o levou a aceitar o convite é, para mim, uma incógnita. Daniel Oliveira, que o conhece pessoalmente, avança com a hipótese de tal se ter devido a um assomo de vaidade pessoal. É possível e daí não vem mal ao mundo. O seu pedido de demissão, que marcou, se não me engano, a primeira alteração na composição do actual Governo, não surpreendeu ninguém. Saiu como entrou, sem brilho e sem relevância. Da sua passagem pela governação não rezará a História.

Após algum tempo de nojo, regressou com pompa e circunstância às bocas do mundo ao dizer que mandaria 'tomar no cú' ao primeiro agente do fisco que o interpelasse sobre a ausência de pedido de factura em estabelecimento comercial. Nascido e criado na cidade do Porto, onde vivo há 50 anos, uso e abuso do vernáculo local como qualquer nativo que se preze. Onde o resto do país vê uma linguagem insultuosa, a usar em surdina e ambientes reservados, nós vemos um vocabulário rico de interjeições que enriquecem a nossa capacidade de comunicação. Como tal, sinto-me uma autoridade na matéria. E não concordo, de forma nenhuma, com a expressão utilizada por FJV. A única explicação que encontro para o sucedido, e é uma mera suposição, é a permanência de muitos anos de FJV em Lisboa onde terá sido influenciado por uma eventual variante de uma expressão que teve origem e alcançou todo o seu esplendor na Mui Nobre e Invicta.

No entanto, o percurso e curriculum de FJV falam por si, nomeadamente a sua Licenciatura em Estudos Portugueses bem como a sua permanência como assistente de Linguística na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. Resolvi não tomar o meu conhecimento empírico como verdade absoluta e consultei o dicionário com o objectivo de comparar a expressão usada pelo ex-Secretário de Estado com aquelas que uso com a regularidade que se impõe há cerca de 5 décadas. Comparei o verbo 'Tomar' usado por FJV com 'Apanhar' e 'Levar', termos bem mais recorrentes na área geográfica a que pertenço.

A tarefa não se revelou conclusiva e, se colocarmos de lado o facto de se tratarem de 3 verbos transitivos, poucos ou nenhuns pontos de contacto existem entre as palavras em questão. No entanto, se utilizarmos como objecto de estudo as aplicações mais populares dos ditos verbos, poderemos chegar a uma conclusão mais assertiva. A expressão 'Tomar' tem, por norma, um cariz mais positivo, algo que se dá e que outrém recebe de bom grado, p.e. 'vamos tomar um café', 'toma lá 5 paus e vai comprar caramelos que eu e a tua irmã temos de fazer os trabalhos de matemática'. Por seu lado, 'Levar' coloca o emissor/receptor como um intermediário da função, p.e. 'pega na lancheira e vai levar o almoço ao pai', não se vislumbrando aqui algo de insultuoso ou de desabafo, implícito na expressão usada por FJV. Pelo contrário, o verbo 'Apanhar' é mais fechado em torno do sujeito, ou seja, eu, tu ou ele, quando apanham, ficam com aquilo que apanharam. É para nós ou eles. Num sentido figurado, mandar alguém 'apanhar bonés' é o equivalente a um 'vai e não voltes' ou 'larga-me a braguilha', uma expressão que o autor deverá usar quando está farto de alguém e o quer ver pelas costas. Um desabafo sem qualquer tipo de conotação sexual, que a expressão usada por Viegas obviamente não tem.

Para concluir, o meu conselho é, quando na dúvida, usem o verbo 'Apanhar'. Mal, não faz. E se vierem para norte do Douro, ajuda a serem entendidos pelos indígenas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Visionário

Ontem à noite, num programa da TVI24 moderado por Judite de Sousa e onde participa Medina Carreira, o mega guru dos indignados da blogosfera, discutiu-se o estado das Forças Armadas e o eventual regresso do Serviço Militar Obrigatório.

No habitual segmento do lambebotismo ao convidado especial do programa, o General Loureiro dos Santos, o sempre perspicaz Medina Carreira defendeu o reatamento do Serviço Militar Obrigatório, argumentando que seria uma boa medida para os jovens e para as famílias, uma forma de ensinar valores importantes a uma boa parte da juventude que 'anda para aí na vadiagem'. Peço desculpa se a citação não é exacta, mas tenho alguma dificuldade em ser rigoroso com a alarvidade, independentemente da boca de onde ela sai.

Descontando a lamentável conversa da treta, infelizmente muito comum a gerações mais velhas que tendem a olhar para os mais novos com paternalismo e desprezo, segundo o princípio do 'no meu tempo é que era bom e havia respeito', com a saída pela direita baixa do brilhante 'o que era preciso era um novo Salazar', presumo que as fontes de informação de Medina Carreira sobre os hábitos maléficos dos jovens vadios dos nossos dias não vão um pouco mais além que as reportagens da TVI sobre as smartshops de Elvas (Badajoz à vista).

Mas sem me querer alongar demasiado sobre a diatribe de quem olha para o mundo através de um funil, era interessante que quem vocifera contra os gastos insanos realizados pelos políticos do passado e do presente, explicasse como é que tenciona financiar este brilhante regresso ao passado. Com os cortes na Defesa que se têm vindo a verificar nos últimos anos, era importante perceber como é que esta mente brilhante pretende financiar o aumento de efectivos e respectivo treino e manutenção.

domingo, 30 de dezembro de 2012

1981 - Top 10+

Após as brilhantes colheitas de 1979 e 1980, era suposto esperar um abrandamento na qualidade e quantidade de produção dos nomes 'novos' surgidos na ressaca do Punk. No entanto, impulsionados por uma imprensa que consegue, finalmente, acordar e deixar de ver o fenómeno pós-punk como algo passageiro e por uma indústria discográfica que rapidamente se recompôs do pequeno abanão ingénuo causado pelo 'do it yourself' que levou ao surgimento de pequenas e bem-sucedidas editoras, 1981 foi o ano do lançamento das obras-primas de muitas das bandas que marcarão a história do rock daqui para a frente.

Em Portugal, graças ao 'Rolls Rock' de António Sérgio e ás diversas crónicas semanais de Miguel Esteves Cardoso no 'Sete', 'O Jornal' e 'Expresso', as novidades chegam-nos em tempo real (ou quase). No entanto, os discos que escutamos e sobre os quais lemos, chegam a conta gotas ao mercado nacional e, na sua maioria, apenas podem ser obtidos nos circuitos de importação a preços proibitivos ou via Cobb Records, através de encomenda postal.

Um dos discos do ano é da autoria do presidente do clube de fãs dos Blondie em L.A., um puto com uma aparência a fazer lembrar um jovem Brando oxigenado e gorducho. Numa época de procura de novas sonoridades, os Gun Club editam 'Fire Of Love', um album carregado de energia punk que esgravata nos sons do passado, que cruza os sons dos blues do Delta com a anarquia sónica dos Sex Pistols.

A surpresa do ano é Grace Jones e o seu quinto LP 'Nightclubbing'. O álbum anterior, 'Warm Leatherette' (1980) era um disco interessante e retirava Jones do atoleiro do mainstream eurotrash onde andou a navegar nos anos do Studio 54. No entanto, a produção de Chris Blackwell e a sonoridade marcada pelos ritmos de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare elevaram 'Nightclubbing' a um patamar bem acima da produção passada e futura de Grace Jones.

'Faith' promove os The Cure a principais candidatos ao trono dos Joy Division para gáudio da brigada da gabardina, orfã de Curtis. Para muitos é a obra-prima da banda, para outros é o início do fim de um caminho que será fechado com 'Pornography' e que levará a banda de Robert Smith ao cimo das tabelas pop e a encher estádios do futebol.

Os Psychedelic Furs editam 'Talk Talk Talk', um disco produzido por Steve Lillywhite, o wonder boy do momento. A produção liberta a banda do som confuso e sombrio do primeiro disco e inclui uma canção que, dentro de alguns anos, marcará o destino da banda, 'Pretty In Pink'. É o melhor album dos Furs e marca o fim de uma era. Com o próximo disco, 'Forever Now' e a contratação de Todd Rundgren, um produtor focado no mercado americano, a banda atirar-se-á para voos bem mais ambiciosos.

Se algo mais fosse necessário, David Byrne e Brian Eno continuam a mostrar quem manda nos Talking Heads. Depois de gravarem, praticamente sózinhos, os anteriores 'Fear Of Music' e 'Remain In Light', editam finalmente 'My Life In The Bush Of Ghosts', um disco cuja concepção iniciou no intervalo das sessões de 'Fear Of Music', em 1979. O disco é uma das grandes referências do ano, baseia-se em antigas experiências de bandas do rock alemão, principalmente os Can, e explora a fusão de ritmos africanos com gravações de origem diversa, de sermões evangélicos a exorcismos, antecipando o uso regular de samplers que se tornaria prática comum em meados da década. O duo colaborou ainda em 'Songs From The Catherine Wheel', a banda sonora encomendado por Twyla Tharp para um bailado da sua autoria. O álbum editado em 1981 é irregular mas inclui um par de boas canções que seriam apresentadas ao vivo nos concertos dos Talking Heads. A edição completa da banda sonora, em formato CD, em 2001, vem mostrar a verdadeira dimensão desta obra.

O disco do ano é 'Heaven Up Here' dos Echo & The Bunnymen. O segundo LP dos Bunnymen é um digno sucessor de 'Closer' como disco do ano mas, de certa forma, é uma obra que se encontra do outro lado da barricada. A produção é quase rude, não se escutam os rococós característicos do trabalho de Martin Hannett com os Joy Division, e as letras, sendo negras, estão carregadas de esperança. Se 'Closer' é o fim do caminho, o 'no future' no verdadeiro sentido do termo, 'Heaven Up Here' é o início de uma caminhada. Em direcção a quê, é o que falta saber.

Melhores do ano:
Heaven Up Here (Echo & The Bunnymen)
My Life In The Bush Of Ghosts (Eno/Byrne)
Fire Of Love (The Gun Club)
Juju (Siouxsie & The Banshees)
Talk Talk Talk (The Psychedelic Furs)
Psychedelic Jungle (The Cramps)
Faith (The Cure)
Tin Drum (Japan)
Red Mecca (Cabaret Voltaire)
Nightclubbing (Grace Jones)

Também vintage:

From The Lion's Mouth (The Sound)
Movement (New Order)
To Each… (A Certain Ratio)
Penthouse And Pavement (Heaven 17)
Nah Poo The Art Of Bluff (Wah!)
Honi Soit (John Cale)
Wilder (Teardrop Explodes)
The Flowers Of Romance (Public Image Ltd)
Non-Stop Erotic Cabaret (Soft Cell)
LC (The Durutti Column)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sinner John Misty

Começo com uma declaração de interesses: gosto muito de 'Fear Fun', o disco que Josh Tillman a.k.a. Father John Misty andou a promover pela Europa nas últimas semanas e cuja digressão chegou ao fim, ontem á noite, em Vila do Conde. Elegi-o disco do ano na Lista Rebelde e, há muitos, muitos dias, não sai do leitor de CDs do meu carro. Aliás, desconfio que a ignição do veículo vai deixar de funcionar assim que o retire do drive. Era só o que me faltava, um auto junkie.

Não tenho paciência para ler crónicas de concertos. A maior parte dos textos estão completamente condicionados pela opinião do cronista sobre a banda e na maioria das crónicas essa opinião tolda a objectividade do autor. Não tenho nada contra e acho que, no caso da música pop, provavelmente o tema mais subjectivo do universo, se não fosse assim não tinha piada nenhuma. A situação agrava-se quando os concertos são muito maus ou sublimes, como foi o caso de ontem à noite. Nos outros, naqueles que não aquecem nem arrefecem, podemos sempre entreter-nos com actividades paralelas com a certeza que, quando a nossa atenção voltar a cair sobre o que se passa no palco, não teremos perdido nada de transcendente. Lembro-me de um concerto de Laurie Anderson no reconstruído Teatro S. João, em que os melhores momentos foram passados a admirar os novos pormenores do interior da belíssima sala e a bater uma bela soneca num dos sumptuosos camarotes. Ou o concerto dos Bad Seeds no Coliseu de Lisboa, por ocasião da digressão de 'No More Shall We Part', onde a actividade junto ao bar era, de longe, mais entusiasmante que o longo bocejo que se desenrolava no palco. Mas vamos dar umas pinceladas a ver como a coisa corre.

O concerto abriu com três momentos altos de 'Fear Fun', 'Funtimes in Babylon', 'Only Son Of The Ladies' Man' e 'Nancy From Now On' e rapidamente percebemos o que se iria passar em cima do palco na próxima hora e meia. Os cinco músicos que acompanhavam Tillman mantiveram-se discretamente no fundo do palco, onde debitaram o peculiar country rock, ou o que lhe quiserem chamar, de modo muito fiel ao que se pode ouvir no álbum, salvo duas ou três excepções. Apenas o saltitante baixista, uma figura parecida com o Baldrick da série Black Adder, teve direito a trocar algumas palavras com Tillman e apenas em breves momentos, ao longo da noite.

A boca de cena ficava, inteirinha, para Joshua Tillman ou Father John Misty, se preferirem, que de 'Father' tem muito pouco. Acompanhado por uma garrafa de champanhe, que arrastava por todo o lado, FJM foi um brilhante e expressivo mestre de cerimónias, apresentou as suas canções de muito pecado e pouca redenção e, pelo meio, disse algumas graçolas gozando com o seu próprio personagem, uma espécie de Randy Newman do apocalipse. Por breves momentos, Tillman recuou para o espaço reservado á banda e pegou na guitarra para mostrar que 'sabia fazer algo mais que rebolar pelo chão e falar mal de Deus'.

O alinhamento do concerto não apresentou grandes surpresas para quem acompanhou a digressão que ontem terminou. Das doze canções incluídas em 'Fear Fun', apenas ficou de fora 'O I Long To Feel Your Arms Around Me'. Em alguns momentos, como 'Sally Hatchet' e 'Well, You Can Do It Without Me', que ao vivo soaram ainda melhor, FJM sentou-se na boca de cena, deitou-se sobre as filas da frente e a sala, que até aí se mantinha algo morna, respondeu da forma que os músicos mereciam.

O concerto terminou com 'Everyman Needs A Companion' e 'Hollywood Forever Cemetery Sings'. A primeira canção, apresentada num formato bem mais imponente que o que aparece no disco, é uma peça chave no mesmo. Depois de se apresentar como pecador e desenrolar perante o ouvinte a longa lista de pecados, Tillman afirma nunca ter gostado do nome Joshua, porque abomina a religião, mas também detesta o curto e hip 'J.' É um homem novo á procura de uma companheira. Ao vivo, a coisa descamba um bocado. A forma como canta e as pequenas alterações que introduz na letra levantam a dúvida sobre o destinatário do seu discurso, a fiel garrafa que continua a agarrar com a mão esquerda, ou a stripper de uma qualquer espelunca do Sunset Strip que lhe atura a bebedeira.

A noite termina com duas versões, 'Nevertheless, I'm In Love With You' de Dean Martin e 'On The Road Again' dos Canned Heat, despachadas sem grande brilho. Dito isto, foi um grande concerto e quem não esteve lá não vai ficar mais esclarecido sobre o assunto após ler estas linhas. Num ano em que tive a oportunidade de ver os Flaming Lips, Jon Spencer, Jack White e Mark Lanegan, entre muitos outros, não tenho qualquer dúvidas em eleger o concerto de Father John Misty como o grande concerto de 2012.

Não me esqueci dos We Trust e Best Youth. Fica para mais tarde porque merecem um espaço á parte.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

1980 - Top 10+

Graças ao Propedêutico, a melhor invenção da História da Humanidade na perspectiva de um mandrião de 17 anos, tive um ano de 1980 tremendamente ocupado. Na realidade, a coisa começou a meio de 79. Entre jogos de futebol, praia de Abril a Setembro, noitadas na cave da Família Leal, sestas no sofá dos Machados, emissões do Rock em Stock e do Rolls Rock e as crónicas do MEC, a vida era dura. As maratonas de Sueca e King e as directas para a Vandoma não eram para qualquer um. Foi o meu Vietname. No meio de tudo isto, com a febre do Punk/New  Wave devidamente instalada, fui despachando algumas gorduras da minha discografia, algumas das quais bem me arrependo.

A safra de 1980 é vintage. A quantidade de bons discos editados é de tal ordem que dava para encher as Páginas Amarelas. Reduzir a uma lista de 10 é tarefa impossível. Começo pelo disco do ano: Closer. É um objecto estranho na produção pop desse ano e de todos os anos. Apesar do culto, talvez excessivo, à volta dos Joy Division, Closer não teve descendência. As bandas que citam os JD como influência (ou, não citando, ela é evidente) foram beber a Unknown Pleasures ou ao 12" Transmission. Discos como Atmosphere e Closer, mais este que aquele, permanecem intocados, como se estivessemos em presença de objectos sagrados. Não conheço outro caso assim na música pop mais ou menos convencional.
Apesar de já ser ouvinte assíduo do Rolls Rock, a curiosidade (primeiro) e a paixão (depois) por Closer foi-me causada pelos textos do Miguel Esteves Cardoso, que á época escrevia para os semanários O Jornal e Sete, e que podem ser lidos no livro Escrítica Pop, esgotado durante longos anos mas reeditado recentemente. Mais tarde tive acesso aos textos de um outro arauto dos Joy Division, Paul Morley, o mesmo dos Art Of Noise, que muito cedo viu nos Joy Division algo que mais ninguém via. Aconselho vivamente a leitura do seu livro sobre o assunto (podem encontrar uma pequena crítica que escrevi, aqui http://tinyurl.com/cxzz3su). Mas os textos do MEC são melhores.

Outro disco do ano é Remain In Light, dos Talking Heads. Na realidade, o disco foi gravado à época do anterior Fear Of Music, com uma participação reduzida dos membros dos TH. Enquanto gravavam Fear Of Music, David Byrne e o produtor Brian Eno trabalhavam à parte, noutro estúdio, naquilo que viria a ser Remain In Light e My Life In The Bush Of Ghosts, que seria editado no ano seguinte. Podia e devia ser o disco do ano.

Peter Gabriel renasce das cinzas e edita o seu melhor album. De sempre. Depois de abandonar os Genesis editou dois discos engraçados mas que não passaram no teste do tempo, apesar de conterem um par de boas canções. Mas o terceiro LP é um disco perturbador e claustrofóbico, cheio de personagens esquizofrénicas e solitárias. É um disco despido da grandiloquência característica do som da sua antiga banda, próximo de um disco como Fear Of Music, mostrando que Gabriel estava pouco interessado em voltar a trilhar caminhos antigos. Intenção que ficaria bem clara no alinhamento dos magníficos concertos que deu nesse ano em Portugal.

Melhores do ano:
Closer (Joy Division)
Remain In Light (Talking Heads)
Colossal Youth (Young Marble Giants)
Peter Gabriel III (Peter Gabriel)
Songs The Lord Taught Us (The Cramps)
The Voice Of America (Cabaret Voltaire)
Crocodiles (Echo & The Bunnymen)
Grotesque (The Fall)
Crazy Rhythms (The Feelies)
I Just Can't Stop It (The Beat)

Também vintage:
Wild Planet (The B-52's)
American Music (The Blasters)
The River (Bruce Springsteen)
Scary Monsters (David Bowie)
Searching For The Young Soul Rebels (Dexys Midnight Runners)
The Return Of The Durutti Column (Durutti Column)
The Correct Use Of Soap (Magazine)
Pretenders (Pretenders)
The Psychedelic Furs (The Psychedelic Furs)
Borderline (Ry Cooder)
Kaleidoscope (Siouxsie & The Banshees)
More Specials (The Specials)
Suicide II (Suicide)
Kilimanjaro (Teardrop Explodes)
Black Sea (XTC)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

1979 - Top 10+

1979: Mais uma estadia de 4 meses na RFA com um saldo positivo. Com 16 aninhos não dava para entrar nos clubes nocturnos (cambada de fascistas!) mas nas matinées e nas festas de garagem havia um ambiente muito ecléctico. Era frequente cruzar o Eurodisco da moda com os Police (que estavam a aparecer em força), os Blondie e o Joe Jackson. Era uma época onde a música pop voltava a ser popular, graças ao período de terra queimada do Punk. O single voltava a reinar e a rádio passava Echo Beach, Turning Japanese e I Want You To Want Me.
Uns meses antes, no liceu, alguém me chamou a atenção para um programa da Rádio Renascença, o Rotação, onde era suposto passar uma música engraçada. Parece que o senhor que apresentava o programa percebia do assunto. Devo ter ouvido meia-dúzia de vezes e meti a sugestão na gaveta. Sempre fui um visionário.

Lá por fora os Clash conseguem editar, ao mesmo tempo, o último grande álbum da década de 70 e o primeiro da década de 80. Com lançamento em Dezembro de 79 no Reino Unido e em Janeiro de 80 nos Estados Unidos, London Calling é presença obrígatória nas listas de melhores álbuns de duas décadas. Uns vigaristas!
Cohen regressa após o tropeção Death Of A Ladies Man, o pedregulho produzido por Phil Spector um par de anos antes. É o seu álbum mais sóbrio desde Songs From A Room e marca o fim de um ciclo. O trovador da guitarrinha trolaró saiu de cena com este disco.
Neil Young e os Crazy Horse editam Rust Never Sleeps, um disco gravado, maioritariamente, ao vivo. Apesar da beleza das canções incluídas no lado acústico, é o lado B que o torna inesquecível e arrasador. Cria um modelo que, dez anos mais tarde, será utilizado pelas grandes bandas de Seattle.
Os Specials são a força motriz do revivalismo Ska. As suas canções, carregadas de um humor cínico e uma visão peculiar do quotidiano, destacam-se no meio das várias edições que deram à costa nessa onda. Os Madness, também editam um  excelente primeiro álbum mas rapidamente navegam por águas distintas e transformam-se numa das maiores máquinas de produção de singles pop da década de 80. As restantes bandas (Selecter, Mo-Dettes, Bodysnatchers, Bad Manners) editam um par de singles decentes e saem de cena.

A escolha de álbum do ano é complicada. Unknowm Pleasures é um disco magnífico e influenciou inúmeras bandas ao longo das décadas de 90 e 00. Infelizmente, salvo raríssimas excepções (Interpol p.e.), a maioria dessas bandas não passavam da tentativa de cópia barata e não possuíam alma própria. Tenho dúvidas se o disco teria o mesmo impacto caso Ian Curtis não se tivesse suicidado e passasse os anos 90 em Ibiza a gravar o Tehcnique ou o Regret. Mas para o caso, as minhas dúvidas não interessam para nada. Cheguei aos Joy Division de marcha-atrás (poupem nas piadas, sff). Primeiro o Love Will Tear Us Apart, depois o Closer e por fim, o Unknown Pleasures. Continuo a achar o Closer o melhor dos dois, um disco que nem parece ter sido feito pela mesma banda. De certa forma, dado o impacto de Closer, quando ouvi o Unknown Pleasures, tive uma pequena sensação de desilusão. O que é estúpido.
A minha escolha vai para o Fear of Music. Desde o primeiro momento que o ouvi que tive a certeza de ser um clássico. Um disco que escutaria 20 anos depois com o mesmo prazer e sempre com a mesma sensação de descoberta. 33 anos depois, continuo a pensar a mesma coisa. Continuo a achar que é o melhor disco dos Talking Heads, apesar de Remain In Light. Tal como os Joy Division, também os Talking Heads influenciaram muitas bandas nos últimos anos. Felizmente, as bandas que beberam nesta fonte (Vampire Weekend, Franz Ferdinand, TV On The Radio) são de excelente colheita.

A lista podia (e devia) ser mais longa. Há bons discos que ficaram de fora. Os Police, com Regatta de Blanc, provam que uma banda chata como a potassa pode, às vezes, produzir discos supimpas. De todos os que tentaram fazer carreira à custa de mamar na teta do reggae, os Police obtiveram o melhor resultado com este disco. Infelizmente não pararam aqui.
Muita gente próxima não me vai perdoar a exclusão de Drums And Wires, um disco que ouvi até à exaustão e o meu favorito da banda. Lamentável. Imperdoável.
De todos, o que mais me custa excluir é The Perfect Release de Annette Peacock. Por causa de uma canção, The Succubus. Mas só havia lugar para 10.

The B-52's (The B-52's)
London Calling (The Clash)
Armed Forces (Elvis Costello)
Joe's Garage (Frank Zappa)
Entertainment! (Gang Of Four)
Recent Songs (Leonard Cohen)
Rust Never Sleeps (Neil Young)
Metal Box (P.I.L.)
The Specials (The Specials)
Fear Of Music (Talking Heads)
Unknown Pleasures (Joy Division)

154 (Wire)
The Perfect Release (Annette Peacock)
Broken English (Marianne Faithful)
Do It Yourself (Ian Dury)
Regatta de Blanc (The Police)
Forces Of Victory (Linton 'Kwesy' Johnson)
Drums And Wires (XTC)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

1978 - Top 10+

1978: Uma estadia prolongada na República Federal Alemã (sim, ainda existia) alarga-me os horizontes a vários níveis e mais um. Com o Punk a dar as últimas, saem da toca as bandas New Wave. A televisão local, e alguns canais holandeses que via por estar perto da fronteira, apresentam diversos programas sobre música pop, coisa inédita em Portugal. O Musikladen é uma espécie de Top Of The Pops mas sem tabela (que me lembre). Lá aparecem os Ramones, os Blondie a promover 'Denis', Elvis Costello e os Devo. Infelizmente, por cada um destes nomes, temos de gramar dez cópias maradas dos Abba, Boney M e pop manhoso com muita brilhantina e lantejoula. Por outro lado, o Rockpalast transmitia concertos rock (quase) na íntegra. A coisa alternava entre uns UFO e Uriah Heep de má memória com Stranglers, Nina Hagen, Boomtown Rats e Joe Jackson. Por todo o lado aparecia um tal Udo Lindenberg, uma improvável estrela rock, que nunca deu o salto para fora das fronteiras germânicas.

Lá fora assiste-se aos regresso de Sprinsteen após a longa batalha judicial com o antigo manager. A espera compensou largamente. A pompa e circunstância de Born To Run é substituída por uma sonoridade mais sóbria, mais próxima dos primeiros discos, mas não tão caótica. As canções abandonam o imaginário adolescente e afundam-se no desespero e no tédio dos subúrbios, vidas perdidas entre os dias nas fábricas e as noites de copos. É o melhor disco de Bruce, é o disco do ano. É o disco de todos os anos.
Também Lou Reed regressa com o seu melhor desde Berlin. Pelo meio ficaram discos mediocres, com um par de boas canções cada. O futuro também não será muito melhor. The Blue Mask á parte, Lou será mais um cadáver a repousar no longo cemitério que foram os anos 80.
Neil Young descobre o Prozac e canta sobre amor e passarinhos e os Kraftwerk continuam a deslumbrar e editam o seu trabalho mais pop. Alguns anos depois, alguns incompetentes vão pegar em Man Machine e em Low, misturam com fatiotas Luís XIV e maus cabeleireiros e darão origem à pop mais boçal saída das caves do Império Britânico desde os tempos dos Slade.
Dos USA chega-nos um compêndio pop da autoria dos Blondie. O anterior Plastic Letters era um disco catita, mas Parallel Lines é um monumento. Cada canção é um potencial hit single, é o disco que eleva Debbie Harry á condição de diva da sua geração. Os Pere Ubu editam os seu primeiro álbum que confirma a genialidade de David Thomas que já se adivinhava desde o lançamento, dois anos antes, do single Final Solution, um dos melhores 7" da década.
Howard Devoto aborreceu-se do som primário dos Buzzcocks e avança com os Magazine, abrindo a porta ás influências da década que findava e apontando o caminho a alguns dos seus pares. Caminho que o próprio Devoto não trilharia ao enveredar por uma curta carreira a solo, que produziu um disco desinspirado e pouco interessante. Regressaria no final da década para uma outra história.


Darkness On The Edge Of Town (Bruce Springsteen)
Parallel Lines (Blondie)
All Mod Cons (The Jam)
Power In The Darkness (Tom Robinson Band)
First Edition (P.I.L.)
Street Hassle (Lou Reed)
Comes A Time (Neil Young)
Question/Answer (Devo)
The Man Machine (Kraftwerk)
Real Life (Magazine)
The Modern Dance (Pere Ubu)