quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Anticristo


A propósito da estreia no Reino Unido do último filme de Lars Von Trier, The Antichrist, a outrora magnífica revista Uncut escrevia o seguinte:

This is the film, after all, that has famously been described as the most shocking movie ever shown at the Cannes Film festival (phew!) and whose own publicity posters take apparently great relish in advertising its "strong real sex, bloody violence and self-mutilation". Needless to say, Antichrist's ostensible mix of hackneyed horror, psychological melodrama, grief, insanity, graphic genital mutilation and a talking fox chewing on its own innards has provoked an outraged response in all the predictable quarters.

The story, such as it is, if you haven't yet seen the film or read anything from the acres of print already dedicated to it, borrows initially from Nic Roeg's Don't Look Now and involves Willem Dafoe and Charlotte Gainsbourg as an unnamed couple coming to terms with the death of their young son by retreating to their remote holiday home - a cabin, called, with heavy-handed symbolism, Eden. There ghastly things occur. Gainsbourg goes mad, runs around in the woods without her pants on and ends up smashing Dafoe's genitals with a block of wood, masturbates him until he ejaculates blood, drills his leg to a grindstone and then attacks her own clitoris with a pair of rusty scissors.


Como devem calcular não vi o filme e não tenho particular interesse em o fazer num futuro próximo. O cinema de Von Trier está recheado de pastelões inenarráveis frequentemente precedidos com golpes de teatro como forma de atrair publicidade barata. Foi assim com Dancer In The Dark, o Música no Coração new age que promoveu Björk ao estatuto de Julie Andrews da viragem do século, e foi assim com Dogville, um aborrecimento monumental protagonizado pela entediante Nicole Kidman onde Lars Von Trier conseguiu transformar uma monumental poupança de dinheiro em cenários (na realidade, os cenários eram praticamente inexistentes) numa montanha de elogios pela audácia e arrojo (longo bocejo...) da crítica especializada.

Por isso não me espanta que Von Trier volte a apresentar um filme com mais um truque na manga que lhe traga promoção e estimule o voyeurismo do público. Desta vez temos a mutilação genital de Willem Dafoe servida numa travessa. Que Dafoe continue a desperdiçar o seu parco talento em filmes-choque não me espanta nada. Ver os próprios testículos serem trucidados por Charlotte Gainsbourg pode sempre ser considerado um acto de promoção na carreira quando comparado com ser regado com cera líquida por Madonna em Body of Evidence. Como efeito choque está longe da automutilação de Gérard Depardieu que, no filme L'ultima donna de Marco Ferreri de 1976, cortava o pénis com uma faca eléctrica para acabar com o insuportável desejo por Ornella Muti.

Não sei se os actos de loucura e mutilação descritos no artigo da Uncut se enquadram na história e são essenciais à narrativa ou se são meros adereços para atrair o grande público e a polémica de algibeira nem me interessa. Se não contarmos com Bagão Félix, já ninguém liga ás críticas da secção de cinema do L'Osservatore Romano desde a tristemente célebre polémica com A Última Tentação de Cristo. (E porque carga de água a Igreja Católica tem a mania de embirrar com filmes medíocres?) Como disse anteriormente, não tenciono perder tempo com o filme pelos mesmos motivos que não vejo peças do La Féria, debates da Fátima Campos Ferreira ou concursos do Malato.

Acredito que o conceito The Name Above The Title (se não me engano, inaugurado com Alfred Hitchcock ou Frank Capra), utilizado para aproveitar a imagem de marca de realizadores de prestígio como forma de promoção das suas obras, pode e deve ser usado nos dois sentidos com enormes vantagens. Mesmo que um dia, por absurdo que pareça, Lars Von Trier consiga fazer um filme que se venha a revelar a oitava maravilha do mundo, o facto de nos recusarmos a ver o dito por ter tão nefasto progenitor e não acreditarmos ser possível sair dali coisa boa, poupa-nos a horas e horas de tédio apocalíptico pela recusa de assistirmos a todos os outros filmes do homem em questão. Alguém vai ao cinema ver um filme do João Botelho a pensar "agora é que é, isto vai ser o Pulp Fiction do cinema português"? Pois é...

Nota ao leitor: quero deixar bem claro que, tal como acontecia em outros blogues em que participei, os artigos que assino não têm necessariamente de reflectir a minha opinião sobre os assuntos em questão.

(Wave of Mutilation, Pixies)

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