Confesso que tempo houve em que me decepcionou um pouco, quando abandonou o fidalgo "de" antes do Araújo - jamais saberemos se por imposição do Bloco de Esquerda ou de qualquer outro pudor canhoto. Nos saudosos tempos do blog homónimo do grupo teatral que agora integra (fase pré-Meo Fibra), ainda lá aparece na ficha técnica, ufano, o Ricardo de Araújo Pereira. Maldita crise financeira, que tudo leva!
Os textos que compõem o livro, previamente publicados semanalmente na revista Visão não são maus. Alguns são, de resto, muito bons até. E esta apreciação não se limita ao texto sobre o (a?) Ikea, que fez furor e carreira, como as pombinhas da catrina, de mail em mail pela web fora.
O problema é que, sendo composto por cem textos, o livro deveria ter estampado a letras vermelhas, bold, tamanho 32, na capa o aviso: "Não exceder os três textos por dia", tal e qual as tomas diárias do Britacil. A leitura continuada dos mesmos demonstra a repetição de processos e "gags", que a mera leitura semanal não revela. Isto não invalida a qualidade dos texto, mas levanta grandes dúvidas sobre o formato de os colar a todos num só volume. Financeriamente, claro está, não levanta dúvidas nenhumas.
Depois vêm as inflexões do costume: RAP é um perfeccionista da língua portuguesa. Isso não é, evidentemente, um defeito. Muito pelo contrário. Mas passa a ser uma maçada quando é tão repetidamente invocado ou quando, pior, é usado como argumento de achincalhamento.
Ao exibir os seus dotes gramaticais e sintácticas, RAP assemelha-se aos tipos com um marsapo de 20 centímetros, quando em repouso: podem não facturar nada no dia-a-dia, mas são o êxito de qualquer balneário, onde podem caminhar de cabeça levantada e lançar, de esguelha, olhares piedosos mas irónicos aos que, como eu, têm mais juba que leão (desculpa lá o plágio, Pipi).
Um autor menor criador de dois personagens maiores, Giovanni Guareschi, dizia, pela boca do seu Cristo, que a jogada mais baixa em polémica é lançar mão dos êrros ortográficos ou de sintaxe do adversário. O que deve prevalecer é a ideia, não o formato.
Há uns anos largos, um leitor escreveu uma carta ao director da saudosíssima revista Kapa onde, num discurso impecável e recheado de referências sofisticadas, acusava a dita de copiar descaradamente outras revistas estrangeiras de referência. Em resposta, a revista (Carlos Quevedo? Miguel Esteves Cardoso?) debitava apenas um comentário: "És uma besta, mas lá que sabes escrever sabes".
Depois vem o encarte. É uma ideia gira, no sentido que a expressão deve ganhar nas reuniões de publicitários, de editores ou de qualquer outro grupo onde todos dizem o que quer que seja que lhes permita armar ao pingarelho. Mas é desconfortável: o encarte tem dimensões superiores às do livro, o que faz sobrar cartolina. É uma forma descarada de promoção do livro à custa de um texto que fez, de facto, furor entre os cibernautas. Como se não bastasse o encarte e a chamada na capa ("Inclui crónica do Ikea a cores para montar") , acrescenta ainda um excerto do mesmo texto escarrapachado na badana da capa. Isto equivale às versões em castelhano dos grandes êxitos do Sting, incluídas nas colectâneas do cantor. Ora se este tipo de truque em nada engrandece a carreira do cantor, já de si tão debilitada, tão pouco o faz ao RAP. E é publicidade enganosa: poucos textos há no livro que estejam à altura do mais publicitado.
Cabe ainda uma referência ao preço: os textos foram publicados originalmente, como atrás foi dito, na Visão - uma revista que por € 2,85 semanais nos dá 148 páginas de texto e fotografia, com alguns artigos interessante e, de lambuja, a crónica do RAP. Uma operação aritmética simples permite-nos concluir que cada página custa ao consumidor cerca de € 0,019. Neste livro, com preço de capa de €15,90 e contendo 100 crónicas, cada uma sai a € 0,159 ou seja a mais de oito vezes o preço dos originais.
E nem uma fotografiazita, tirando a da contra-capa que não é exactamente da natureza das que o jornal O Jogo publica, diariamente, na penúltima página.
Como se não bastasse, o livro termina mal. Há coisas que, por uma questão de decência, homem algum deve alardear em público, como a coprofilia, a halitose ou a compulsão em comer macacos do nariz. Com indiscutível mau gosto, a breve referência biográfica da badana da contracapa termina com o número de sócio do Benfica. Não fosse a minha abjecção ao vermelho e teria corado.
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